ACSTJ de 25-03-2009
Concurso de infracções Conhecimento superveniente Cúmulo jurídico Tribunal competente Pena única Fundamentação Duração Cúmulo por arrastamento Prevenção geral Prevenção especial Pluriocasionalidade
I -No caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes, ou seja, quando posteriormente à condenação se denotar que o agente praticou anteriormente àquela condenação outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do disposto no art. 77.º do CP, segundo o n.º 1 do art. 78.º do mesmo diploma, não dispensando o legislador a interacção entre as duas normas. II - Para a imposição da pena de concurso é territorialmente competente o tribunal da última condenação, realizando este, oficiosamente ou a requerimento, as diligências reputadas essenciais à decisão – arts. 471.º, n.º s 1 e 2, e 472.º do CPP. III - A atribuição da competência ao tribunal da última condenação deriva da circunstância de ser ele que detém a melhor e mais actualizada perspectiva do conjunto dos factos e da personalidade do agente, retratada no conjunto global das condenações e do trajecto de vida do arguido, concebida como «o mais idóneo substracto a que pode ligar-se o juízo de culpajurídico-penal», «a forma viva fundamental do indivíduo humano por oposição a todos os outros» – cf. Figueiredo Dias, Liberdade, Culpa, Direito Penal, pág. 171. IV - No concurso superveniente de infracções tudo se passa como se, por pura ficção, o tribunal apreciasse, contemporaneamente com a sentença, todos os crimes praticados pelo arguido, formando um juízo censório único, projectando-o retroactivamente. A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (cf. Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, ed. da FDUC, 2005, pág. 1324); o cúmulo retrata, pois, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido e a atitude do próprio agente em termos de condenação pela prática do crime, tendo em vista não prejudicar o arguido por esse desconhecimento ao estabelecer limites à duração das penas a fixar. V - A pena de concurso é imposta em audiência de julgamento, no estabelecimento das garantias de defesa do condenado, pautada pelo respeito pelo princípio do contraditório e, como não pode deixar de ser, fundamentada, nos termos dos arts. 205.º, n.º 1, da CRP e 374.º, n.º 2, do CPP. VI - Mas essa fundamentação afasta-se da prevista, em termos gerais, no art. 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração, em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressupostos nos factores de fixação da pena previstos no art. 71.º do CP (cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, §§ 420 e 421). VII - Tem sido pacífico neste STJ o entendimento de que o concurso de infracções não dispensa que os vários crimes tenham sido praticados antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer um deles, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se da pena única os praticados posteriormente; o trânsito em julgado de uma dada condenação obsta a que se fixe uma pena unitária em que, englobando as cometidas até essa data, se cumulem infracções praticadas depois deste trânsito. VIII - O limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena de concurso é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar, por qualquer crime praticado anteriormente; no caso de conhecimento superveniente de infracções aplicam-se as mesmas regras, devendo a última decisão que condene por um crime anterior ser considerada como se fosse tomada ao tempo do trânsito da primeira, se o tribunal, a esse tempo, tivesse tido conhecimento da prática do facto. IX - Orientação diversa é a que se verte no chamado «cúmulo por arrastamento», postergada por este STJ a partir de 1997, desde logo pelo Ac. de 04-12-1997 (CJSTJ, V, tomo 3, pág. 246), assinalando-se que «aniquila a teleologia e a coerência interna do ordenamento jurídico-penal, ao dissolver a diferença entre as figuras do concurso de crimes e da reincidência (Comentário de Vera Lúcia Raposo, RPCC, Ano 13, n.º 4, pág. 592).» X -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, de concluir é que o agente é punido, decerto que pelos factos individualmente praticados, mas não como um mero somatório, em visão atomística, antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, no dizer de Figueiredo Dias (ob. cit., págs. 290-292), levando-se em conta exigências de culpa e de prevenção, tanto geral como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (prevenção especial de socialização). XI - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena do concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade revela sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, a uma “carreira” ou tão-só a uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, bem como o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – cf. Figueiredo Dias, ob. cit., § 421. XII - Na determinação da duração da pena – ainda que de concurso – são ainda oportunas as seguintes considerações de Eduardo Correia (citado por Lopes Cardoso, in A Parte Especial do Código Penal, Jornadas do Direito Criminal, CEJ, I, pág. 350): «O significado antropológico da medição do tempo alterou-se radicalmente nos nossos dias. A vida adquiriu um ritmo tão rápido que não suporta penas tão pesadas como as praticadas anteriormente. O limite a partir do qual a pena prejudica ou inutiliza a recuperação social do delinquente tende a diminuir».
Proc. n.º 389/09 -3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
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