ACSTJ de 25-03-2009
Sentença criminal Fundamentação Cúmulo jurídico Pena única Sucessão de cúmulos
I -Princípio de matriz constitucional essencial em matéria de decisões judiciais é o princípio da fundamentação, consagrado no art. 265.º, n.º 1, da CRP, o qual se traduz na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão – art. 97.º, n.º 4, do CPP. II - Tal princípio, relativamente à sentença penal, acto decisório que a final conhece do objecto do processo, concretiza-se, porém, mediante uma fundamentação reforçada que visa, por um lado, a total transparência da decisão, para que os seus destinatários (aqui se incluindo a própria comunidade) possam apreender e compreender claramente os juízos de facto e de direito assumidos pelo julgador e, por outro, possibilitar ao tribunal superior a fiscalização e o controlo da actividade decisória, que se concretizam através do recurso, o que consubstancia, desde a Revisão de 1997, um direito do arguido constitucionalmente consagrado, expressamente incluído nas garantias de defesa – art. 32.º, n.º 1, da CRP. III - Fundamentação que, relativamente à decisão que tem por concreto desiderato o cúmulo de penas, tendo em atenção o critério norteador da determinação da pena conjunta – consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente (n.º 1 do art. 77.º do CP) –, deve, após a análise destes factores, dar a conhecer as específicas razões que determinaram o concreto quantum da pena conjunta. IV - Resultando do exame do acórdão impugnado que o tribunal a quo, após se haver debruçado sobre o regime legal do instituto do concurso de crimes, seus pressupostos e critério de punição, com expressa indicação das normas aplicáveis, expôs a matéria factual relevante para a determinação do quantum da pena única, que acompanhou de juízo crítico/valorativo, quer no que concerne à temporalidade e gravidade dos factos, quer no que tange às condições pessoais e personalidade do arguido, expressando, de forma clara, as razões que presidiram e conduziram à fixação da pena conjunta, com destaque para a aptidão para o crime revelada por aquele desde há vários anos, há que considerar que o acórdão impugnado não enferma de nulidade por falta de fundamentação. V - Verificando-se que: -a pena [de 1 ano e 6 meses de prisão] que o arguido pretende seja incluída no cúmulo jurídico efectuado no acórdão impugnado diz respeito a crime praticado em Dezembro de 1999, tendo sido a respectiva condenação proferida em 11-07-2007, com trânsito ocorrido em 31-07-2007; -todas as penas incluídas no cúmulo jurídico efectuado no acórdão recorrido dizem respeito a crimes perpetrados nos anos de 2005 e 2006, sendo as respectivas condenações de Novembro de 2007, Janeiro de 2008 e Março de 2008; atenta a temporalidade da prática dos crimes, as datas das respectivas condenações e seu trânsito em julgado, nada obsta à inclusão no cúmulo jurídico efectuado (nestes autos) da pena de 1 ano e 6 meses de prisão a que o arguido alude. VI - Constatando-se, ainda, que o arguido foi condenado, no Proc. n.º 1… da 1.ª Vara Mista de Gaia, na pena conjunta de 5 anos e 6 meses de prisão, por acórdão de 14-06-2004, transitado em julgado, no qual foram cumuladas penas cominadas em 27-10-2000, 24-042001, 11-12-2002, 25-02-2002, 08-03-2002, 24-10-2002, 04-11-2002 e 20-10-2003, perante a temporalidade da condenação na pena conjunta, bem como das condenações aplicadoras de penas incluídas no cúmulo jurídico efectuado, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão a que o arguido se refere está em condições de ser cumulada, também, com aquelas penas, tanto mais que, pela alteração introduzida ao n.º 1 do art. 78.º do CP pela Lei 59/2007, passaram a ser cumuláveis as penas já cumpridas, alteração que, obviamente, se mostra favorável ao arguido. VII - A nossa lei substantiva não prevê a situação em apreço, isto é, a de saber se a pena a que alude o recorrente deve ser incluída no cúmulo jurídico efectuado nos presentes autos ou cumulada com as penas que integram a pena conjunta cominada no outro processo. VIII - Tendo em consideração que: -exigências ligadas à prevenção (sobretudo à prevenção especial) e ao princípio da culpa constituem razões determinantes da adopção do sistema da pena única ou pena do concurso; -assumindo entre nós a pena do concurso a configuração de uma pena conjunta, cuja medida, de acordo com a lei (parte final do n.º 1 do art. 77.º do CP), é encontrada através da avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, há que concluir que o legislador pretende seja o condenado punido pelo conjunto dos factos praticados, isto é, pelo ilícito global perpetrado, analisado à luz da sua personalidade, tendo presente que esta apenas assume relevância para o direito penal enquanto se actualiza no facto, ou seja, quando é tomada nesse aspecto ou momento limitado da sua dinâmica (da sua “vida”) que é exactamente o facto criminoso; dúvidas não restam de que a pena de 1 ano e 6 meses de prisão em causa deve ser cumulada com as integrantes da pena conjunta que lhe foi cominada no Proc. n.º 1… da 1.ª Vara Mista de Gaia, posto que o facto objecto do processo em que foi aplicada aquela pena se mostra temporalmente situado e integrado no conjunto de factos ocorridos no período que vai de 1999 a 2003 (objecto daquele processo), e não no conjunto de factos verificados em 2005 e 2006, factos estes objecto do cúmulo operado nos presentes autos.
Proc. n.º 577/09 -3.ª Secção
Oliveira Mendes (relator)
Maia Costa
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