Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 19-03-2009
 Homicídio Co-autoria Regras da experiência comum Tentativa Actos de execução Desistência Arrependimento
I -A co-autoria, que se traduz, nos termos do art. 26.º do CP, em o agente tomar parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro ou outros, não se reconduz a um simples contributo atomístico, somatório material de factos executivos de diversas pessoas, de modo a cada um ser responsabilizado pelo próprio acto, só assim sucedendo se se exceder o âmbito do acordo; de contrário, são de presumir nele enquadrados todos os actos cujo normal englobamento é apontado pelas regras da experiência.
II - Essencial à co-autoria é um acordo, expresso ou tácito, este assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas à luz das regras de experiência comum, bem como a intervenção, maior ou menor, dos co-autores na fase executiva do facto, em realização de um plano comum, não sendo senão esse o sentido da locução «tomar parte na sua execução, por acordo ou conjuntamente com outros», em uso no art. 26.º do CP.
III - Esse acordo de execução tanto pode ser extremamente simples como complexo, mas abrange sempre uma divisão de tarefas; através desse acordo os co-autores atribuem-se e aceitam prestar, reciprocamente, as tarefas que lhes estão confiadas, destinadas ao plano comum a concretizar; trata-se de um encontro de vontades dos co-autores acerca do plano de execução e repartição de funções a ele inerente – Eduardo Correia, Direito Criminal, 1953, pág. 253.
IV - Desde que o agente acorde na realização integral do crime, com a consciência de colaboração nele da actividade dos demais, torna-se co-responsável pelos actos que levam ao resultado do crime, desde que não escapem ao plano prévio, antes se inscrevendo nele – cf., entre tantos, os Acs. do STJ de 29-03-2006 e de 16-11-2005, proferidos respectivamente nos Procs. n.ºs 478/06 e 2987/05, ambos da 3.ª Secção.
V - A ideia central da doutrina do domínio funcional do facto, invocada com larga aceitação para clarificar o conceito de co-autoria, reconduz-se para Roxin (citado por Maria da Conceição Valdágua, in Início da Tentativa do Co-autor, págs. 172-173) a que cada coautor é senhor de todo o facto, delimitado pelo plano criminoso comum e integrado, portanto, pelos contributos de todos os co-autores, porque tendo tomado sobre si, na repartição de tarefas que acordou realizar com os demais, uma tarefa necessária para a realização do facto, ele tem, também, nas mãos o poder de impedir, através da simples omissão do contributo prometido, que o plano comum se realize: daí que os co-autores sejam co-titulares do domínio de todo o facto.
VI - Por força da comunhão de esforços, resulta que cada agente responde não apenas por aquilo que concretamente faz, mas pela actuação global dos comparticipantes, pela consciência recíproca da actuação dos comparticipantes.
VII - Resultando da matéria de facto provada um acordo entre a arguida e o arguido, na plena adesão a um plano executivo, em vista da lesão à integridade física do assistente, plano por ambos querido, com tarefas delimitadas para ambos, fornecendo a arguida parte dos instrumentos de agressão, a viatura onde se transportaram e a indicação do acesso à casa do assistente, aprisionando os cães do assistente para melhor consumação do facto, cabendo ao arguido concretizar o plano, em que o contributo individual se funde num todo único – não sendo lícito isolar atomisticamente certos actos de outros, já que todos obedecem a uma resolução comum em vista da obtenção de um resultado por ambos querido –, funciona, em pleno, o conceito de co-autoria, segundo o art. 26.º do CP.
VIII - Não é da circunstância de não ter praticado actos materiais de agressão in persona que se pode afastar a co-autoria, além de que todo o seu contributo não deixa de ser essencial à produção do resultado, integrando-se já no conceito de actos de execução de uma tentativa, nos termos dos arts. 22.º, n.º 2, als. b) e c), e 23.º do CP.
IX - A punibilidade da tentativa radica na aproximação à acção típica, pelo abalo e intranquilidade provocados na confiança comunitária na força vinculativa da norma, pela impressão negativa que causa comunitariamente pela violação de bens ou valores jurídicos (teoria da impressão, seguida por Roxin, in Problemas Fundamentais de Direito Penal, pág. 296), que é imperioso preservar quando a importância daqueles é de reconhecida evidência.
X - O começo da execução da tentativa, na forma de acto executivo, produz-se quando a vontade criminosa intervém, claramente, numa acção que, segundo o plano global do autor, conduz imediatamente à colocação em perigo do bem jurídico protegido pelo tipo.
XI - Na figura da desistência o legislador parte da ideia de que a isenção da pena só se coloca quando o facto não se consumou. Se o resultado já teve lugar no momento em que o autor queria desistir, o delito já está consumado, não se suscitando a aplicação do art. 24.º – cf. Jeschek e Weigend, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, ed. Comares, tradução de Miguel Cardenete, pág. 380.
XII - Se o resultado não estava ainda consumado, importa distinguir entre a desistência da tentativa acabada, que para relevar exige um arrependimento activo, uma atitude advinda voluntária e espontaneamente do agente, no sentido de impedir a consumação material do crime; a desistência na tentativa inacabada exige, apenas, que o agente omita os demais actos de execução necessários à consumação material do crime; o arrependimento activo consiste na prática de actos idóneos à não consumação do crime, mas podendo o agente recorrer ao auxílio de terceiros – cf. Comentário do Código Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque, pág. 119, e Prof. Figueiredo Dias, Parte Geral – Direito Penal, 2007, pág. 742.
XIII - É incompatível com o arrependimento activo a circunstância de os arguidos se terem ausentado do local, deixando o assistente sozinho, gravemente ferido e a perder sangue em grande quantidade, não se tendo apurado que tenham providenciado qualquer meio de socorro – mesmo quando encontrados na estrada pela equipa do INEM, chamada pelo assistente, não foram capazes de indicar a residência deste.
XIV - A desistência relevante não pode cingir-se a um acto de pura indiferença para com as consequências do crime perpetrado, de abandono da vítima, que não significa “dessolidarização”com o facto, o evitar que se produzam resultados criminosos.
XV - Um mero conselho de deixar de continuar-se a agressão não pode validamente interpretar-se como desistência, mas antes como suficiente a agressão na sua relação com o castigo projectado e, mais ainda, como domínio do facto que a arguida teve em toda a latitude, detendo nas suas mãos o continuar ou deixar de o fazer, abandonando o local quando o quis.
Proc. n.º 240/09 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Maia Costa