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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 12-03-2009
 Intenção de matar Matéria de facto Acórdão da Relação Duplo grau de jurisdição Competência do Supremo Tribunal de Justiça Matéria de direito Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Conhecimento oficioso Erro de julgamento Livre apreciaçã
I -A reapreciação da determinação da intenção do agente, mais concretamente da intenção de matar, ou a fixação dos elementos subjectivos do dolo nos crimes em que este é elemento essencial, não cabe no âmbito do recurso para o STJ, por estar em causa matéria de facto, como a jurisprudência tem entendido.
II - A decisão do Tribunal da Relação que conhece de facto e de direito, nos termos do art. 428.º do CPP, é definitiva quanto a matéria de facto.
III - Com a reponderação da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação nos termos consentidos pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, cumprida ficou a garantia de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, certo sendo que o art. 32.º da CRP não garante um duplo grau de recurso em matéria de facto.
IV - Como resulta do art. 434.º do CPP, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.
V - A reapreciação da decisão sob recurso há-de, como princípio, confinar-se à matéria de direito, salvo se, a título excepcional, se tornar imperativo para o conhecimento daquela a ampliação da matéria de facto, a correcção de evidentes erros ou a remoção de contradição insanável entre os factos e a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, caso em que este Supremo Tribunal ordena o reenvio – arts. 410.º, n.º 2, als. a), b) e c), e 426.º do CPP.
VI - Mas, ainda assim, mantendo-se no estrito âmbito da reserva de competência e do indispensável pressuposto de que hão-de derivar do texto da decisão recorrida por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.
VII - A única hipótese de o STJ sindicar matéria de facto é através da análise da existência de vícios decisórios, previstos nas als. do n.º 2 do art. 410.º do CPP, sendo esse reexame feito por iniciativa própria, ocorrendo uma tal intervenção apenas para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa própria, se se vier a concluir que por força da existência de qualquer dos vícios referidos não pode chegar a uma correcta solução de direito.
VIII - O erro de julgamento não é sindicável pelo STJ, pela razão de que não se confunde com o vício da decisão.
IX - O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do art. 127.º do CPP.
X - Os vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
XI - Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes (RPCC, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
XII - Os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no art. 127.º do CPP.
XIII - Não incidindo o recurso sobre prova documentada, nem se estando perante prova legal ou tarifada, não se pode sindicar a boa ou má valoração daquela; querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é, afinal, querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
XIV - Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
XV - Como é jurisprudência assente neste Supremo Tribunal, em recurso interposto de acórdão de Tribunal da Relação não é possível a invocação ou a reedição de arguição dos vícios previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP, ficando vedado pedir depois ao STJ, em revista, a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação.
XVI - Na verdade, mesmo nos recursos interpostos directamente deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do art. 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal que, no recurso para o STJ das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação.
XVII - Age com dolo directo quem prevê e pretende intencionalmente a realização do facto criminoso. Existe dolo necessário quando o agente sabe que, como consequência de uma conduta que resolve empreender, realizará um facto que preenche um tipo legal de crime, não se abstendo, apesar disso, de empreender tal conduta. No dolo eventual cabem os casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta e, apesar disso, leva a cabo tal conduta, conformando-se com o respectivo resultado.
XVIII - Eduardo Correia (Direito Criminal, I, Coimbra, 1971, pág. 385) apresenta a solução de que se a realização do facto for prevista como mera consequência possível ou eventual da conduta haverá dolo se o agente, actuando, não confiou em que ele se não produziria. Ou, vistas as coisas pela outra face: o dolo só se excluirá, afirmando-se a negligência consciente, quando o agente só actuou porque confiou em que o resultado se não produziria. Sempre pois que ele, representando o resultado, não tomou posição perante este, deverá ser punido a título de dolo eventual.
XIX - Para Maria Fernanda Palma (in Da “Tentativa Possível” em Direito Penal, Almedina, 2006, págs. 79-81) o dolo eventual é ainda uma forma de decisão de realização do facto típico, ou, em última análise, decisão pela lesão do bem jurídico, especificando que «na situação de dolo eventual o agente, ao aceitar o risco da verificação do resultado típico (“conformando-se” com ele, nos termos do n.º 3 do artigo 14.º do Código Penal), preferindo-o aos custos da não realização da sua conduta, inclui essa aceitação nos fundamentos da sua decisão e opta pela lesão do bem jurídico. Na perspectiva do desvalor da acção, do ilícito, não há qualquer razão para diferenciar qualitativamente o dolo eventual».
XX - Tendo em conta que a distância a que foram efectuados os, pelo menos, 6 disparos, tendo na mira, após os 2 ou 3 primeiros, o CS, conduz a que se possa afirmar que o arguido representou a possibilidade de o atingir e de lhe causar a morte, conclui-se que da análise do texto da decisão recorrida não resulta que a matéria provada seja insuficiente para suportar a decisão de direito, que se esteja perante qualquer forma de contradição entre a fundamentação ou entre esta e a decisão, ou que resulte como patente a verificação de erro na apreciação da prova.
XXI - São pressupostos da legítima defesa: a actuação em defesa de uma agressão e o elemento subjectivo a que a doutrina dá o nome de animus defendendi. XXII -São requisitos da agressão a ilegalidade, a actualidade e a falta de provocação, e requisitos da defesa a impossibilidade de recurso à força pública, a necessidade e a racionalidade do meio. XXIII -A necessidade de defesa há-de apurar-se segundo a totalidade das circunstâncias em que ocorre a agressão, e em particular, com base na intensidade daquela, da perigosidade do agressor e da sua forma de agir. Deve ajuizar-se objectivamente e ex ante, na perspectiva de um terceiro prudente colocado na situação do arguido – cf. Ac. do STJ de 18-12-1996, Proc. n.º 115/96 -3.ª. XXIV -Essencial à legítima defesa é mesmo o animus defendendi, a intenção de, pelo contra-ataque a uma agressão, se suspender uma agressão ilegítima: o facto típico levado a cabo pelo defendente há-de destinar-se a prevenir uma agressão ilícita actual. XXV -A intenção de defesa, correspondendo a um estado de espírito, inapreensível sensorialmente, há-de ser a resultante de factos objectivos que a indiciem: tal como a intenção de matar, integrando matéria de facto, há-de derivar de factos dos quais se infira. XXVI -«O excesso de legítima defesa (que melhor se denominaria «excesso na defesa») só tem lugar quando se verificam os pressupostos da defesa, isto é, quando se verifica uma agressão ilícita e actual» – cf. Cavaleiro de Ferreira; Lições de Direito Penal, vol. I, Verbo, 1985, pág. 99. XXVII -Não se tendo verificado uma agressão que estivesse em execução ou iminente e que o arguido tivesse de sustar, pondo com a sua conduta em risco a vida alheia, que veio a sucumbir, para salvaguardar a sua, o arguido não actuou em legítima defesa, pelo que não pode considerar-se ter agido com excesso de legítima defesa. XXVIII -A provocação como circunstância atenuativa da culpa pode ocasionar a compreensível emoção violenta de que fala o art. 133.º do CP; não se completando os requisitos exigidos para o privilegiamento, pode a provocação injusta actuar nos termos do art. 72.º, n.º 2, al. b), do CP e conduzir à atenuação especial da pena; mas se não tiver por efeito diminuir a ilicitude ou a culpa de forma essencial ou acentuada terá o valor de atenuante geral – cf. Ac. do STJ de 11-11-2004, Proc. n.º 3182/04 -5.ª. XXIX -Sendo de afastar para a configuração de privilegiamento do homicídio, como é hoje consensual, mantém-se a exigência de proporcionalidade para a provocação injusta, enquanto elemento integrante de atenuação especial. XXX -Na verdade, o que se exige para a atenuação especial é que exista uma certa proporção entre o acto que motiva o crime e o crime praticado. XXXI -Qualquer provocação para ser relevante nesta sede teria de ser injusta e proporcional à reacção, o que não sucede quando dos factos provados não resulta qualquer acto que possa ser considerado uma actuação censurável da vítima, uma ofensa imerecida, uma violência, um acto provocatório por parte da vítima com intensidade suficiente para despoletar tal reacção e muito menos de carácter injusto, ou que o arguido fosse colocado face a um quadro de condições fortemente limitativas da sua liberdade de agir e de reflectir. Como refere o STJ, no Ac. de 11-10-1988 (BMJ 380.º/557), «Nenhum motivo pode apresentar-se proporcional ao homicídio». XXXII -O arrependimento não se mostra, tem de ser demonstrado através da prática de actos ou assunção de posturas; sendo uma espécie de contrição pelos factos praticados, suporá necessariamente a confissão destes. XXXIII -«Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo de medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena. XXXIV -As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. XXXV -Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena» – cf. Figueiredo Dias, Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, pág. 279 e ss.. XXXVI -A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada.
Proc. n.º 3781/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis