ACSTJ de 12-03-2009
Responsabilidade civil emergente de crime Princípio da adesão Indemnização Danos não patrimoniais Equidade Direito à vida
I -Embora deduzida em processo penal, de harmonia com o princípio da adesão (arts. 71.º e ss. do CPP), a indemnização de perdas e danos emergentes de crime subordina-se, na dimensão quantitativa e respectivos pressupostos, à lei civil. II - A indemnização deve ter carácter geral e actual, abarcar todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, mas quanto a estes apenas os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, quanto àqueles, incluem-se os presentes e futuros, mas quanto aos futuros só os previsíveis (arts. 562.º a 564.º e 569.º do CC). III - A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do CC. IV - Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. V - A Portaria 377/2008, de 26-05, contém «critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal» (cf. o respectivo preâmbulo). Tem um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, e, por outro lado, pela sua natureza, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo CC. VI - Na indemnização pelo dano não patrimonial o pretium doloris deve ser fixado por recurso a critérios de equidade, de modo a proporcionar ao lesado momentos de prazer que, de algum modo, contribuam para atenuar a dor sofrida – Ac. deste STJ de 07-11-2006, Proc. n.º 3349/06 -1.ª. VII - Equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto. VIII - Para que o dano não patrimonial mereça a tutela do direito tem de ser grave, devendo essa gravidade avaliar-se por critérios objectivos e não de harmonia com percepções subjectivas ou da sensibilidade danosa particularmente sentida pelo lesado, de forma a concluir-se que a gravidade do dano justifica, de harmonia com o direito, a concessão de indemnização compensatória. IX - Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida» – cf. Ac. do STJ de 17-06-2004, Proc. n.º 2364/04 -5.ª. X - À míngua de outro critério legal, na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, designadamente a sua situação profissional e socioeconómica. XI - A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais, que cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – art. 496.º, n.º 2, do CC –, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito, familiares da vítima, decorrentes do sofrimento e desgosto que essa morte lhes causou (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª ed., pág. 604 e ss.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do STJ de 17-03-1971, BMJ 205.º/150; Leite de Campos, A Indemnização do Dano da Morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247; e Galvão Telles, Direito das Sucessões, pág. 88 e ss.). XII - Tendo em consideração que: -o acidente de que resultou a morte da vítima ocorreu em 20-02-2005; -a mesma nasceu em 02-04-1980, faleceu no estado de solteira e sem deixar descendentes; -vivia com os seus pais, a quem muito amava e queria; -era professora do agrupamento de escolas de S…, encontrando-se, à data da morte, no 3.º escalão, índice 151, da carreira indiciária do Pessoal Docente de Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário, auferindo o vencimento mensal líquido de € 958,09; -era saudável e gostava de viver; verifica-se ser ajustada a quantia de € 55 000, arbitrada pela Relação, a título de indemnização pelo dano morte. XIII - Mostra-se, por outro lado, equitativamente adequado o montante atribuído, de € 25 000 para cada um dos demandantes (pais da vítima), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos, perante a seguinte factualidade apurada: -a vítima, NS, vivia com os seus pais, a quem muito amava e queria, sendo uma filha extremosa e dedicada, auxiliando, sempre que podia, o pai num estabelecimento de café que este explorava; -os demandantes tinham grande orgulho na sua filha NS, vivendo apenas com ela, que era o seu grande aconchego, sendo que têm um outro filho, mas mais velho, casado e com família e vida própria; -a morte da filha NS causou aos demandantes grande desgosto, sofrimento e angústia; -em Outubro de 2006 os demandantes estavam a ser acompanhados no Centro de Saúde da sua localidade, por padecerem de perturbações depressivas desde a morte da filha NS; e, desde 02-02-2006 até, pelo menos, Maio de 2006, o demandante também foi acompanhado pelos serviços de psiquiatria e saúde mental de V…, em consequência da morte da filha NS. XIV - E, tendo em conta que, como vem provado, do acidente resultaram para a passageira NS os ferimentos descritos no relatório de autópsia, nomeadamente enfarte cerebral consecutivo a dissecação traumática da artéria carótida primitiva esquerda, que lhe causou, directa e necessariamente, a morte, ocorrida no dia 22-02-2005, que a NS sofreu dores físicas imediatamente após o acidente, resultantes dos ferimentos de que foi vítima, que só se extinguiram com a morte, e sofreu a angústia da morte, justifica-se a quantia arbitrada, de € 20 000, pelos danos morais sofridos pela NS em consequência do sofrimento padecido entre o momento do acidente e o seu falecimento.
Proc. n.º 611/09 -3.ª Secção
Pires da Graça (relator)
Raul Borges
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