ACSTJ de 18-02-2009
Homicídio qualificado Culpa Especial censurabilidade Especial perversidade Imputabilidade diminuída Anomalia psíquica Atenuação especial da pena Princípio da proibição da dupla valoração Regime penal especial para jovens Prevenção geral Prevençã
I -Os exemplos-padrão do art. 132.º, n.º 2, do CP prendem-se essencialmente com a questão da culpa, pois mesmo quando se referem a um maior desvalor da conduta não é essa circunstância que, por si, determina a qualificação do crime, mas a especial censurabilidade ou perversidade do agente, isto é, o especial tipo de culpa. II - A densificação dos conceitos de especial censurabilidade ou perversidade obtém-se através de circunstâncias que denunciam uma culpa agravada e que são descritas como exemplo-padrão; a ocorrência destes exemplos não determina, todavia, por si só e automaticamente, a qualificação do crime: assim como a sua não verificação não impede que outros elementos possam ser julgados como qualificadores da culpa, desde que sejam substancialmente análogos aos legalmente descritos. III - Pressupondo o homicídio qualificado um tipo especial de culpa e sendo a culpa a censurabilidade do facto ao agente, não parece possível, sob pena de grave contradição, que o agente do homicídio qualificado possa agir com uma imputabilidade substancialmente diminuída, designadamente por virtude de doença do foro psiquiátrico. IV - A especial censurabilidade, a que o crime de homicídio qualificado se reporta, exige um completo domínio do agente para se determinar de acordo com a norma e para avaliar cabalmente a ilicitude do facto, pelo que, só deste modo a culpa poderá ser tida por especialmente censurável, ou seja, este tipo de crime não pode ser cometido num estado de imputabilidade diminuída, pois, neste caso, a culpa não excede o grau da mera censurabilidade – cf. Ac. deste Supremo Tribunal de 18-10-2006, Proc. n.º 2679/06. V - Não é congruente considerar-se a existência de um homicídio qualificado em razão de uma especial censura ao agente por ter agido com uso de meio insidioso e com reflexão sobre os meios empregados e, depois, atenuar-se extraordinariamente a pena por ter uma imputabilidade diminuída e não se lhe poder censurar inteiramente os seus actos. VI - Considerando-se agora que o homicídio não é qualificado face ao menor grau de imputabilidade do recorrente, não deve esta mesma circunstância ser valorada outra vez, ainda que positivamente, para se atenuar especialmente a pena. VII - A aplicação do regime penal relativo a jovens entre os 16 e os 21 anos – regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária – não constitui uma faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos. VIII - O recorrente “é um adolescente com bom desenvolvimento estato-ponderal e quociente de inteligência de tipo superior”, “do certificado de registo criminal relativo ao arguido, nada consta”, “confessou os factos e indicou às autoridades policiais como os praticou”, “o seu crescimento processou-se, nos primeiros anos, sem indícios de desorganização pessoal, mantendo aparentemente um nível de envolvimento adequado com a família bem como razoável ligação e empenho à escola e, mais recentemente, a existência de aspirações educacionais”, “completou, no passado ano lectivo, o 11.º ano, mantendo em atraso a disciplina de matemática do 10.º ano de escolaridade. Encontrava-se inscrito no 12.º ano de escolaridade em Escola Secundária de …, tendo como objectivo o ingresso no ensino superior”e“não obstante o temperamento reservado que o caracterizava, mantinha no meio social e na escola um convívio e integração adequados, tendo constituído no estabelecimento de ensino relações de amizade”, pelo que existem fortes razões para crer que da atenuação especial da pena vai resultar uma apreciável vantagem para a reintegração social do recorrente. IX - Já ao tempo do crime o recorrente sofria e continua a sofrer de anomalia psíquica [“o arguido é portador de Síndrome de Asperger, o qual é uma forma leve de autismo onde relevam, entre outras características: o prejuízo qualitativamente acentuado na interacção social; a incapacidade de estimar a vida cognitiva, perceptiva e afectiva dos outros, bem como a de si próprio; a combinação de traços temperamentais, como a adaptação lenta ou mesmo inadaptação a situações novas, o baixo nível de actividade, o retraimento perante estímulos estranhos, a fraca intensidade das reacções emocionais e o elevado grau de humor negativo; a evitação de relacionamentos afectuosos e significativos, o afastamento do mundo real para a fantasia, a possibilidade de ocorrência de explosões de impulsos agressivos ou destrutivos”], pelo que o regime próprio dos estabelecimentos prisionais comuns ser-lhe-á prejudicial, pois tenderá a isolar-se, a não se adaptar à nova situação, a não se estimar, podendo vir a ter impulsos agressivos e destrutivos, isto é, a agravar o seu estado de saúde mental. X - Será do interesse da sociedade, do próprio recorrente e dos seus pais que o tribunal ordene o seu internamento em estabelecimento destinado a inimputáveis pelo tempo correspondente à duração da pena (art. 104.º do CP), pois aí, estando vigiado por profissionais de saúde mental – médicos, enfermeiros e auxiliares –, sujeito à prescrição de medicamentos adequados, correrá menos risco de ter nova atitude tão agressiva como a demonstrada nos autos e poderá vir a obter uma melhor reinserção social. XI - E nada impede que lhe venha a ser concedida pelo TEP a liberdade condicional nos termos do art. 61.º do CP, nem a colocação em estabelecimento comum, pelo tempo de privação da liberdade que lhe faltar cumprir, se vier a cessar a causa determinante do internamento, o que será avaliado no decurso da execução da pena.
Proc. n.º 3775/08 -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator)
Souto Moura
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