ACSTJ de 12-02-2009
Roubo Sequestro Concurso aparente Concurso de infracções Princípio da proibição da dupla valoração Consumpção Pena de prisão Pena de multa Pena de prisão e multa Reformatio in pejus Âmbito do recurso Aproveitamento do recurso aos não recorrente
I -O critério decisivo da unidade ou pluralidade de infracções é dado pelo diverso número de valores jurídico-criminais negados (art. 30.º, n.º 1, do CP). Todavia, sempre que determinada conduta preencha vários tipos legais de crime, tal não significa que o agente responda necessariamente pela prática de diversos crimes, pois há tipos legais de crime que se encontram numa relação entre si que implica que a aplicação de um/uns exclui a aplicação de outro(s), verificando-se, portanto, um concurso aparente de infracções, sendo o agente, neste caso, condenado por um único crime, de harmonia com o princípio da proibição da dupla valoração. II - A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que, no crime de roubo, sempre que a violência se traduza numa privação da liberdade ambulatória, o que integraria um crime de sequestro, o agente não será punido por este crime, se aquela privação de liberdade for utilizada como meio, e enquanto tal, para apropriação de determinado bem, existindo uma relação de consumpção do sequestro pelo roubo. III - Nos casos em que o sequestro se prolongue muito para além do tempo de violação da liberdade ambulatória necessário para que o agente, através da violência, se aproprie ou faça com que lhe seja entregue determinado bem, verifica-se existência de um concurso real de infracções. IV - No autos, deu-se como provado que: -os arguidos abordaram os ofendidos R e J cerca das 00h40 e, enquanto o arguido P ficou de guarda a R ea J, conservando-os sob a ameaça da «pistola», o arguido A logrou levantar a quantia de € 20 da conta bancária de R cerca das 02h32, “indo de seguida até às proximidades do campo de tiro existente no M…, onde deixou o Citroën [que pertencia a R], após o que voltou ao local onde deixara os ofendidos e o arguido P”; -quanto aos ofendidos T e AC, deu-se como provado que os arguidos os abordaram cerca das 23h45, tentaram então que os ofendidos se metessem na bagageira do Volkswagen que pertencia ao T, espaço que não era suficiente para os dois, pelo que ali obrigaram a entrar T enquanto AC viajaria no banco de trás, mas atolaram o veículo numa vala, o qual ficou imobilizado, pelo que o P ficou de guarda aos ofendidos, enquanto o A tentou levantar dinheiro num terminal Multibanco com o cartão da ofendida AC, que lhe forneceu o respectivo código, o que só conseguiu entre as 00h01 e as 03h00, “após o que voltou ao local onde se encontravam os restantes”. V - Os agentes planearam e executaram crimes de roubo, servindo o sequestro, apesar da sua duração, de crime-meio, pois permitiu aos agentes apoderarem-se de importâncias em dinheiro utilizando os cartões de débito Multibanco que, pela violência, retiraram aos seus legítimos portadores, tendo conseguido, por esse mesmo meio, determinar estes a revelarem-lhes os respectivos códigos de acesso. A manutenção dos ofendidos sem liberdade ambulatória foi necessária para que fosse confirmada a veracidade dos códigos de acesso, possibilitando os levantamentos de dinheiro, não tendo a privação da liberdade excedido, assim, o estritamente necessário à consumação dos roubos, tal como foram planeados e/ou executados, pelo que deve o recorrente ser absolvido dos crimes de sequestro. VI - A circunstância de se dever considerar a limitação da liberdade deambulatória como integradora do crime de roubo, em vez de tal facto ser autonomamente punido como crime de sequestro, determina um agravamento da ilicitude do roubo, o qual se deve traduzir num aumento da medida da pena a aplicar aos crimes de roubo, que, no entanto, não pode, de modo algum, violar o princípio da proibição da reformatio in pejus. VII - Sempre que, na pena única conjunta, tenha de ser incluída uma pena de prisão, impõe-se, na medida do possível, não aplicar pena de multa a um ou mais dos demais crimes em concurso, por também aí se verificarem os inconvenientes geralmente atribuídos às chamadas «penas mistas» de prisão e multa. VIII - Não obstante o trânsito em julgado da decisão quanto ao não recorrente A, cumpre retirar consequências do recurso do arguido P, na parte em que se fundamenta em motivos não estritamente pessoais, ou seja, quanto à não punição autónoma do crime de sequestro, conforme resulta do disposto no art. 402.º, n.º 2, al. a), do CPP. IX - A absolvição dos crimes de sequestro, por que o referido A foi condenado, não significa, porém, uma diminuição da pena aplicada, uma vez que a privação da liberdade ambulatória a que as vítimas foram constrangidas, durante todo o tempo em que se prolongou, aumentou a ilicitude dos crimes de roubo praticados pelos dois agentes, determinando, mesmo para o não recorrente, o aumento da pena pelo crimes de roubo.
Proc. n.º 110/09 -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator)
Souto Moura
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