Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 05-02-2009
 Recurso da matéria de facto Competência do Supremo Tribunal de Justiça In dubio pro reo Homicídio qualificado Especial censurabilidade Homicídio qualificado atípico Homicídio Alteração da qualificação jurídica
I - Fora das hipóteses previstas no art. 410.º do CPP, o STJ não pode investigar se o tribunal de 1.ª instância proferiu uma decisão justa no campo da matéria de facto.
II - O princípio in dubio pro reo constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. É um princípio que tem a ver com a questão de facto, não tendo aplicação no caso de alguma dúvida assaltar o espírito do juiz acerca da matéria de direito.
III - A apreciação pelo Supremo da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio.
IV - O STJ, como tribunal de revista, pode alterar a qualificação dos factos feita pelas instâncias, mesmo que a questão da qualificação não constitua fundamento do recurso.
V - O crime de homicídio previsto no art. 131.º do CP constitui o tipo legal fundamental dos crimes contra a vida: perante casos especiais de homicídio doloso resultantes da verificação de circunstâncias ligadas à ilicitude e à culpa, o legislador previu a existência de tipos com moldura penal diversa, qualificados ou privilegiados em função da existência de circunstâncias especiais agravativas ou atenuativas.
VI - No art. 132.º do CP encontra-se prevista uma forma agravada de homicídio em resultado da existência de circunstâncias que revelem, por parte do agente, especial censurabilidade ou perversidade na respectiva actuação, combinando um critério generalizador com a técnica dos exemplos-padrão.
VII - Assim como a ocorrência dum exemplo-padrão não implica só por si a agravação do crime, assim também a sua não verificação não obsta a que a existência de outros elementos análogos aos descritos integrem o tipo qualificador.
VIII - O tribunal colectivo entendeu que a factualidade provada não integrava nenhum dos exemplos-padrão, nomeadamente os das actuais als. e) e j) do n.º 2 do art. 132.º, cuja verificação era imputada pelo MP na acusação, mas que o tipo de arma usada e pela forma como o foi (duas armas, uma delas de fogo, estando a vítima sem qualquer arma e sem qualquer risco para o arguido), a firmeza com que a conduta foi desencadeada e a insistência nela, com a vítima já ferida, o arguido pegou numa outra arma, a faca, e desferiu 18 facadas na vítima, a situação de vulnerabilidade da vítima, que já atingida com um tiro no pescoço, foi depois atingida com facadas distribuídas por partes fundamentais do corpo e o facto de, em momento algum deste percurso trágico, o arguido se ter demovido, hesitado, desistido ou sequer procurado ajuda médica para a vítima, integram o conceito de especial censurabilidade, estando perante um homicídio qualificado atípico.
IX - Estas circunstâncias que o tribunal colectivo considerou exteriorização de censurabilidade da conduta do arguido (tipo de arma usado; firmeza da conduta; situação de vulnerabilidade da vítima; o facto de o arguido não se ter demovido, hesitado ou desistido da conduta) não têm analogia com as situações dos exemplos-padrão, o que leva a ter como não preenchida a especial censurabilidade da conduta do recorrente, que deve, portanto, ser responsabilizado pela prática do crime do art. 131.º do CP.
Proc. n.º 2381/08 -5.ª Secção Arménio Sottomayor (relator) Souto Moura