Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 25-02-2009
 Homicídio por negligência Danos não patrimoniais Indemnização Seguro obrigatório Morte
I -Danos não patrimoniais são os que são insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.
II - Tem-se entendido doutrinária e jurisprudencialmente, maxime após o acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência de 17-03-1971 (BMJ 205.º/150), que do art. 496.º, n.ºs 2 e 3, do CC, resultam três danos não patrimoniais indemnizáveis: -o dano pela perda do direito à vida; -o dano sofrido pelos familiares da vítima com a sua morte; -o dano sofrido pela vítima antes de morrer, variando este em função de factores de diversa ordem, como sejam o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima estava consciente ou em coma, se teve dores ou não e qual a sua intensidade, se teve ou não consciência de que ia morrer; III -É consensual a ideia de que só são indemnizáveis os danos não patrimoniais que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, medindo-se a gravidade do dano por um padrão objectivo, embora tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, mas afastando-se os factores subjectivos, susceptíveis de sensibilidade exacerbada, particularmente embotada ou especialmente requintada, e apreciando-se a gravidade em função da tutela do direito; o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado – cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 576; Vaz Serra, RLJ, ano 109.º, pág. 115; e os Acs. do STJ de 26-06-1991, BMJ 408.º/538, de 9-12-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 137, de 1107-2007, Proc. n.º 1583/07 -3.ª, de 26-06-2008, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 131, e de 22-102008, Proc. n.º 3265/08 -3.ª.
IV - Como se extrai do Ac. de 17-11-2005, Rec. n.º 3436/05 (CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 127), «A apreciação da gravidade do dano embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana».
V - Referir a indemnização como assumindo um carácter punitivo não faz grande sentido em matéria de acidentes de viação, que constitui um caso típico de responsabilidade civil, em que o responsável civil demandado não é o próprio lesante, estando-se perante situações em que o condenado no pagamento da indemnização é apenas o responsável civil, a seguradora, para quem foi transferida a responsabilidade por força do contrato de seguro, e não o autor material da lesão.
VI - Não se poderá com propriedade falar então em punição, não podendo erigir-se a intencionalidade punitiva em critério de determinação do montante indemnizatório.
VII - De diferente modo será se estivermos face a ofensas à integridade física, à honra, ou à vida em sede de homicídio voluntário ou tentativa, em que não há lugar a transferência de responsabilidade, coincidindo o responsável criminal com o civil.
VIII - Como é sabido, no regime de seguro obrigatório, até aos limites do seguro, só a seguradora responde, detendo legitimidade exclusiva a seguradora, ressalvado ficando o posterior direito de regresso da seguradora nas situações previstas nas três als. do art. 19.º do DL 522/85, de 31-12, nomeadamente nos casos de actuação dolosa na origem do acidente, de roubo, furto, utilização abusiva do veículo, de condução sob a influência do álcool ou de estupefacientes, ou de abandono do sinistrado.
IX - No caso de morte da vítima há um círculo restrito de pessoas a esta ligados por estreitos laços de afeição a quem a lei concede reparação quando pessoalmente afectadas, por isso, nesses sentimentos.
X - Neste caso, os danos destas vítimas “indirectas” emergem da dor moral que a morte pessoalmente lhes causou, havendo lugar a indemnização em conjunto e jure proprio ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos, e, na falta destes, aos pais – art. 496.º, n.º 2, do CC.
XI - Está em causa um dano especial, próprio, que os familiares da vítima sentiram e sofreram com a morte do lesado, contemplando o desgosto provocado pela morte do ente querido.
XII - A origem do dano do desgosto é o sofrimento causado pela supressão da vida, sendo de negar o direito à indemnização em relação a quem não tenha sofrido o dano – cf., neste sentido, o Ac. do STJ de 23-03-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 230.
XIII - Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas.
XIV - Como se refere no Ac. do STJ de 26-06-1991 (BMJ 408.º/538), trata-se de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos que, por serem factos notórios, não necessitam de ser alegados nem quesitados, mas só pedidos.
XV - Tendo em consideração que: -o jovem NM faleceu no estado de solteiro e sem filhos, sendo seus herdeiros os pais ora demandantes; -à data do acidente contava apenas 24 anos, tratando-se de uma pessoa saudável e na flor da vida; -convivia com os pais, daí resultando uma ligação no dia-a-dia, forte, contínua, intensa, tendo os pais sentido um grande abalo e profundo sofrimento com a morte do filho, sendo forte a relação afectiva entre os demandantes e o falecido; -os demandantes sofreram grande abalo psicológico e dor com a morte súbita e inesperada do filho; -desconhece-se se o jovem NM estudava ou trabalhava – e nesta hipótese se era ou não dedicado, como era o relacionamento com os colegas –, porém é de supor que trabalhasse, pois no final do pedido cível vem a indicação do seu número de beneficiário da Segurança Social, sendo que o interveniente principal ISS/CNP refere essa circunstância, vindo, aliás, à demanda a solicitar o pagamento do que despendera a título de reembolso com as despesas do funeral pagas ao pai do sinistrado; -existe uma completa ausência de conculpabilidade da vítima para a produção do acidente, que ficou a dever-se em exclusivo a culpa do condutor, que conduzia, imediatamente antes da curva onde se despistou, a velocidade manifestamente excessiva e inadequada para a via e condições de circulação de noite (antes de iniciar a descrição da curva, o arguido tripulava aquela viatura a uma velocidade não concretamente apurada, mas pelo menos a 112,74 km/h); -no que concerne à situação económica dos demandantes, a ter em conta, na perspectiva de lesados, nos termos do disposto no art. 494.º, aplicável por força do art. 496.º, n.º 3, 1.ª parte, do CC, nada se sabe; -a demandada, como é facto notório (art. 514.º do CPC), é uma sociedade que se dedica à indústria dos seguros, com boa capacidade financeira; -o preceito citado manda atender à situação económica do agente – autor da lesão, da violação ilícita do direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios (arts. 483.º e 487.º, n.º 1, do CC) – mas no cômputo do montante da indemnização não há que atender à situação económica da companhia de seguros (Ac. do STJ de 12-02-1969, BMJ 184.º/151, e Vaz Serra, RLJ, ano 103.º, pág. 172); em abordagem diversa, mas com o mesmo sentido, se pronunciou o Ac. do STJ de 29-02-2000, Proc. n.º 24/00 -1.ª (Sumários de Acórdãos Cíveis, Edição Anual – 2000, pág. 70), aí se afirmando que «É desprovida de sentido a ponderação do parâmetro da situação económica do lesante, apontado pelo artigo 494.º do CC, nos casos em que não é o património do lesante, mas sim o de um terceiro – seguradora – a suportar o pagamento da indemnização»; -é pacífico que um dos factores a ponderar na atribuição desta forma de compensação será sempre o grau de proximidade ou ligação entre a vítima e os titulares desta indemnização, sendo que, na sua determinação, «há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou» – Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13; -a indemnização ora em causa deve ser fixada em quantia inferior ao dano morte, em face da hierarquia dos valores em causa; -deverá estar presente a consideração do melindre que a quantificação de tais danos sempre acarreta, procurando traduzir-se em quantia certa de coisa fungível (a mais fungível das coisas) o que por natureza é insusceptível de mensuração e de redução a uma expressão numérica, encerrando óbvias dificuldades a tradução em números do que por definição não tem tradução matemática, procurando ter-se em conta o reflexo, o rebate da perda de um filho nas vidas dos demandantes; -importa atender, por razões de justiça relativa, aos padrões geralmente adoptados na jurisprudência, tendo sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada – Ac. do STJ, de 17-04-97, SASTJ, n.º 10, Abril, pág. 52. -a indemnização por danos não patrimoniais tem de assumir um papel significativo, não se compadecendo com a atribuição de valores simbólicos nem com miserabilismos indemnizatórios; -de acordo com os arts. 2.º, al. a), e 5.º da Portaria 377/2008, entrada em vigor em 27-052008 (com a qual se visou fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal), a compensação em causa será de calcular nos termos previstos no quadro constante do anexo II desse diploma (cabendo a situação concreta no Grupo III, al. a)), prevendo-se em relação a cada pai por filho com idade menor ou igual a 25 anos o montante de € 15 000, disposições que não afastam a fixação de valores superiores aos propostos; entende-se como adequado fixar a indemnização em causa em € 20 000 para cada um dos progenitores da vítima.
Proc. n.º 3459/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis