ACSTJ de 18-02-2009
Concurso de infracções Conhecimento superveniente Cúmulo jurídico Pena única Fundamentação Prevenção geral Prevenção especial Roubo Medida concreta da pena
I -Entendemos por correcto, na elaboração do cúmulo jurídico, o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso se dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena, uma vez que a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º do CP, um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade. II - «O sistema da punição do concurso de crimes consagrado no art. 77.º do CP, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, “rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente» – cf. Ac. deste STJ de 13-09-2006. III - Por isso, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta, cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que esteve na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. IV - Aqui o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto), mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o CP. V - Tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso…só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor nem a extensão pressupostos pelo art. 71.º do CP. VI - Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de ilicitude reportada à globalidade dos factos é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos patrimoniais e aqueles que se encontram inscritos na dimensão essencial da vida e dignidade humanas, ou seja, ao núcleo dos direitos ligados à personalidade. VII - Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. VIII - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. IX - Recorrendo à prevenção, importa verificar, relativamente à prevenção geral, o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente, para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos. X - Serão esses factores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação, sendo então o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena mas tendo, também, presente o sentido da proporcionalidade que deve presidir à fixação da pena conjunta. XI - Tendo em consideração que: -a gravidade do ilícito global é elevada, em função do número de crimes praticados pelo arguido e da circunstância de estarem em causa bens que se prendem com aquele núcleo essencial da vida em sociedade, sendo igualmente certo que a persistência do arguido na prática do crime de roubo envolveu uma potencialidade letal revelada pelo uso da arma de fogo; -a dimensão patrimonial dos ilícitos foi diminuta, mas tal circunstância não contende com a violação da integridade psicológica dos ofendidos; -o arguido não tem antecedentes criminais, tem bom comportamento no estabelecimento prisional e encontra-se arrependido; -releva a sua idade (27 anos), que indicia, pelo menos em face do registo criminal português, o início de uma carreira criminosa; -na tentativa de traçar um denominador comum, para além da uniformidade do modus operandi em relação aos crimes de roubo o recorrente apresenta o mesmo índice anómico de alguém transplantado de uma sociedade culturalmente distinta e que é colocado num ambiente díspar sem qualquer capacidade de subsistência em termos económicos; -numa visão alicerçada em razões de prevenção especial é defensável um juízo positivo sobre as perspectivas de evolução do comportamento do arguido que, pelo seu comportamento posterior ao julgamento, demonstra o propósito de inflectir no seu percurso criminoso, bem como vontade de adquirir competências que lhe permitam uma nova oportunidade de vida; -tais razões têm de ser compaginadas com fortes exigências de prevenção geral que, por alguma forma, correspondam às legítimas expectativas dos cidadãos, no sentido de que a prática de crimes do tipo dos cometidos pelo arguido sejam objecto de uma punição que reflicta a necessidade intimidatória que um constante e progressivo aumento da criminalidade violenta impõe; -a moldura da pena do concurso situa-se entre os 4 e os 23 anos e 1 mês de prisão; entende-se por adequada a pena conjunta de 11 anos de prisão.
Proc. n.º 307/09 -3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
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