ACSTJ de 18-02-2009
Habeas corpus Âmbito da providência Esgotamento dos recursos Pena de expulsão Prisão ilegal
I -A excepcionalidade da providência de habeas corpus não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários de decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação. II - A providência visa, pois, reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. III - Atento o carácter excepcional da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão, em sede de habeas corpus, há que se deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável –, integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP (Ac. do TC de 24-09-2003, in Proc. n.º 571/03). IV - «E é precisamente por pretender reagir contra situações de excepcional gravidade que o habeas corpus tem de possuir uma celeridade que o torna de todo incompatível com um prévio esgotamento dos recursos ordinários» – cf. Cláudia Cruz Santos, RPCC, Ano 10, fascículo 2.º, pág. 309. V - Resultando dos autos que: -por despacho do juiz do TEP proferido em 24-11-2008, foi ordenada a libertação do arguido e a imediata execução da pena acessória de expulsão do território nacional; -nesse mesmo despacho ordenou-se a passagem dos competentes mandados de libertação, a cumprir logo que possível e no mais curto espaço de tempo, caso não interesse a sua prisão à ordem de outros autos, dele constando ainda, expressamente, que a libertação se consumará com a entrega ao SEF do detido; -nesse mesmo dia 24-11-2008 foram emitidos e entregues no EP mandados de libertação do arguido, deles constando expressa e claramente que a «libertação consumar-se-á com a entrega ao SEF para execução da pena acessória de expulsão»; o arguido deveria ter deixado de estar preso desde 24-11-2008 (a menos que a respectiva prisão interessasse a outras entidades). VI - Embora se fixe um prazo de 60 dias subsequente àquela entrega ao SEF para ser executada a pena acessória de expulsão do arguido, essa execução não implica nem exige – face ao teor do despacho referido – que o arguido continue preso: isto é, o SEF, nos 60 dias (depois, por despacho de 19-01-2009, prorrogados por mais 30 dias), efectuará as diligências necessárias à execução da pena de expulsão, mas o arguido aguardará a execução dessa pena acessória em liberdade – art. 160.º, n.º 1, da Lei 23/2007, de 04-07 –, uma vez que do processo não consta que tenha sido requerida ao juiz competente qualquer das medidas previstas no n.º 3 do art. 160.º da citada Lei. VII - Decorrendo dos autos que o arguido/requerente continua preso pelos factos do processo em que foi condenado na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, a sua prisão é ilegal por ter já sido ordenada a sua libertação, a consumar com a sua entrega ao SEF (que já ocorreu), não tendo sido determinado que se mantivesse preso durante o prazo fixado para a execução da pena acessória de expulsão ou até à concretização dessa expulsão do território nacional.
Proc. n.º 501/09 -3.ª Secção
Fernando Fróis (relator)
Henriques Gaspar
Pereira Madeira
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