ACSTJ de 18-02-2009
Recurso da matéria de facto Convite ao aperfeiçoamento Aplicação da lei processual penal no tempo Acórdão da Relação Omissão de pronúncia Nulidade da sentença
I -Tendo em consideração que: -o recorrente expôs de forma expressa o ponto nevrálgico que considerava incorrectamente julgado e indicou os meios de prova que em seu entendimento impunham solução factual diversa, indicando os suportes em que se encontravam as declarações, embora sem especificações que poderiam facilitar a tarefa do reexame, o que poderá ter ficado a dever-se ao facto de aquando da elaboração da peça não estarem disponíveis as transcrições; -à época não havia norma similar à do actual n.º 4 do art. 411.º do CPP e, por outro lado, não havia a necessidade de indicar concretamente as passagens em que se fundava a impugnação, como hoje ocorre com as gravações, como decorre do n.º 4 do art. 412.º do CPP; -o Ac. n.º 9/2005, de 11-10-2005 (Proc. n.º 3172/2004, in DR I Série -A, n.º 233, de 0612-2005), estando em causa a aplicabilidade aos recursos penais da regra do acréscimo de 10 dias dos prazos para alegações estabelecidos no art. 698.º do CPC, sempre que o recurso tivesse por objecto a reapreciação da prova gravada, fixou a seguinte jurisprudência: «Quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de 15 dias, fixado no art. 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no art. 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil». E o TC, nos Acs. n.ºs 542/2004, de 15-07-2004, Proc. n.º 609/04, e 17/2006, de 06-01-2006, Proc. n.º 383/04 -2.ª (in DR II Série, n.º 33, de 15-02-2006), sufragou tal entendimento; -a nova redacção do n.º 3 do art. 417.º do CPP estabelece que «Se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada»; -a propósito da norma constante do n.º 2 do art. 412.º do CPP, que dispõe sobre o ónus de especificação no recurso que verse sobre matéria de direito e da necessidade de formulação de convite, facultando oportunidade processual de suprir o vício detectado – não indicação pelo recorrente das normas violadas e do sentido com que as mesmas foram interpretadas e aplicadas pelo tribunal a quo – que conduziria a rejeição liminar do recurso, pronunciaram-se no sentido da inconstitucionalidade os Acs. do TC n.ºs 288/2000, de 17-05-2000, Proc. n.º 395/99 -3.ª (BMJ 497.º/103), 388/2001, Proc. n.º 333/01 -2.ª, de 26-09-2001, e 401/2001, Proc. n.º 746/00 -2.ª (ambos in DR, II Série, n.º 258, de 07-11-2001), sendo que o Ac. n.º 320/2002, de 09-07-2002, Proc. n.º 754/01 (in DR I Série -A, n.º 231, de 07-102002), declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do Número 134 -Fevereiro de 2009 art. 412.º, n.º 2, do CPP, interpretada no sentido de que a falta de indicação, nas conclusões da motivação, de qualquer das menções contidas nas suas als. a), b) e c) tem como efeito a rejeição liminar do recurso do arguido, sem que ao mesmo seja facultada a oportunidade de suprir tal deficiência; -entre as normas que regulam os recursos importa distinguir, para o efeito da sua aplicação no tempo, as que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades da preparação, instrução e julgamento do recurso – cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, com actualização de Herculano Esteves, Coimbra Editora, 1993, pág. 48, e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª ed., 1985, pág. 56; estas últimas, porque não interferem na relação substantiva, cuidando do puro formalismo processual, são imediatamente aplicáveis, não só aos recursos que venham a ser interpostos no futuro em acções pendentes como aos próprios recursos pendentes; é de concluir que o Tribunal da Relação, entendendo que a exposição da divergência quanto à facticidade apurada era insuficiente, sempre poderia ter convidado o recorrente a reformular a pretensão. II - Sendo dever da Relação apreciar as questões colocadas, não se tendo pronunciado nos termos expostos incorreu em omissão de pronúncia, o que conduz à nulidade do acórdão recorrido – art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, nos termos do n.º 4 do art. 425.º do CPP.
Proc. n.º 2879/08 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
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