Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 18-02-2009
 Regime penal especial para jovens Atenuação especial da pena Conhecimento oficioso Homicídio Idade Atenuante
I -A idade integrante da aplicação da atenuação especial constante do regime especial para jovens é juridicamente relevante apenas como pressuposto formal de aplicação desse regime, uma vez que o mesmo tem como pressuposto material a existência de «sérias razões» que levem o julgador a concluir que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do condenado, não constituindo aquela idade, por si só, uma séria razão nos termos da referida dogmática legal.
II - Há, pois, um poder-dever, uma obrigação legal do julgador de, oficiosamente, proceder à averiguação dos pressupostos da aplicação da atenuação especial da pena, devendo apreciar, em cada caso concreto, a natureza e modo de execução do crime, os seus motivos determinantes, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime.
III - O DL 401/82 de 23-09, ao instituir um direito mais reeducador do que sancionador, não esqueceu, porém, que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e, por isso, não excluiu a aplicação de pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade.(cf. n.ºs 4 e 7 do preâmbulo do diploma.) IV -Não é caso de aplicação do regime especial constante do DL 401/82 referido quando a personalidade manifestada, o modo de execução e motivos determinantes do crime, a natureza deste e a conduta posterior ao crime demonstram inexistirem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. (cf., entre outros, o Ac. deste STJ de 31-10-2007, Proc. n.º 3484/07 3.ª.
V - Ponderando que: -a actuação do arguido explicitada nas múltiplas facadas que – intencionalmente, e sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei – desferiu na vítima, em zonas vitais, nomeadamente no coração, actuando o arguido em consequência de a vítima, seu credor, lhe ter pedido o pagamento da dívida, e tendo aquela também apenas 17 anos de idade, revelou uma personalidade ostensivamente contrária ao direito, sem o mínimo respeito pelo direito fundamental fonte de todos os demais (o direito à vida), e desprezando a vítima, com total indiferença, uma vez que, após ter terminado o esfaqueamento, o arguido abandonou o interior do prédio onde decorreram as facadas, encontrando-se a vítima ainda com vida, revelando ainda o arguido não ter qualquer consideração pelo seu semelhante, pois que, ao abandonar o local, dizia, em dialecto crioulo, que «não papava grupos, que era mau e matava todos os que lhe fizessem frente»; -embora o arguido não tivesse antecedentes criminais no domínio da imputabilidade penal em função da idade – na data da decisão condenatória corriam contra ele pelo menos dois processos criminais, relativos a tráfico de estupefacientes e roubo, mas esta circunstância não pode relevar, tendo em vista a presunção legal da sua inocência até ao trânsito em julgado das respectivas decisões (art. 32.º, n.º 1, da CRP) –, já no âmbito de processo tutelar educativo, por crimes de roubo, furto e tráfico, foi aplicada ao arguido medida de internamento em centro educativo; é manifesto, perante a personalidade manifestada no modo de execução e motivos determinantes do crime e na conduta posterior ao crime, que inexistem razões sérias para crer que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado, não sendo, por isso, caso de atenuação especial da pena.
VI - A idade do arguido entrará em linha de conta na determinação da medida concreta da pena como atenuante geral, face à imaturidade e inexperiência da vida que essa idade representa, e que contribui para atenuar a intensidade do juízo de censura. 18-02-2009 Proc. n.º 100/09 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges £Homicídio qualificado Agente da autoridade Medida concreta da pena #Estando em causa a prática pelo arguido de um crime de homicídio qualificado p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, als. f) e j), do CP, a que corresponde a moldura penal abstracta de 12 a 25 anos de prisão, e tendo em consideração: -o grau de ilicitude do facto – o mais grave, por importar violação do direito à vida, o bem primeiro e essencial, conditio sine qua non da existência e convivência, o mais elevado da tutela jurídica; -o modo de execução – através do uso de uma metralhadora, de marca Kalashnikov, calibre 7,62 mm M-43, tendo o arguido JA disparado de pé, fora da viatura, do lado esquerdo desta, e efectuado os disparos com a Kalashnikov em direcção horizontal à dianteira esquerda, atento o sentido de marcha da viatura da PJ ocupada pela vítima JM, que se encontrava à sua retaguarda, a uma distância de cerca de 6 a 8 metros; -a gravidade das consequências – as «lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, cerebrais e raquimedulares, que resultaram da acção de projécteis de fogo», disparados em rajada de metralhadora pelo arguido JA, e que directa e necessariamente produziram a morte do inspector JM, tendo ainda alguns projécteis dessa rajada atingido viaturas; -a intensidade do dolo – mediante os disparos efectuados na direcção de órgãos vitais do inspector JM, da PJ do Porto, com a utilização da metralhadora, de marca Kalashnikov, conforme acima se descreveu, o arguido JA representou como consequência necessária dos mesmos a morte de JM, como acabou por acontecer, sabendo que dispunha de meio idóneo para concretizar tal resultado; o arguido JA agiu de forma voluntária e consciente, sabendo que tal conduta era proibida e punida por lei penal; -os fins e motivos determinantes – o arguido JA e os demais arguidos, juntamente com outros indivíduos, formaram um grupo organizado que, até às datas em que ocorreram as suas detenções, operou no nosso país, nomeadamente no Norte, com a exclusiva finalidade de se apropriarem indevidamente de quantias em dinheiro e outros valores transportados em veículos especializados para esse efeito, sendo que os arguidos acertaram entre si que, para levar a cabo os roubos, ou suas tentativas, estariam munidos de armas de fogo e respectivas munições, podendo exibi-las; -o arguido JA, ao disparar a rajada de metralhadora, actuou de surpresa e de imediato, «quando VF chegava junto de JM e atrás deste», pois que em momento anterior o inspector JM saíra do veículo automóvel que conduzia, empunhando uma shotgun e gritando em voz alta a sua qualidade de polícia; o arguido JA e os demais arguidos tinham estado envolvidos na prática de outro crime relativo a apropriação, pela violência, de sacos de dinheiro do interior de um veículo de transporte de valores pertencente à empresa Prosegur, e pretendiam evitar a perseguição que lhes estava a ser movida por elementos da PJ; -a condição pessoal e situação económica – o arguido JA é conotado como bom trabalhador e estimado pelos seus amigos; tem 2 filhos, com 15 e 8 anos de idade, frequentou o 4.º ano de escolaridade; na data dos factos era marceneiro e explorava uma discoteca; foi fuzileiro da marinha; -a conduta anterior e posterior aos factos – por decisão proferida no Proc. n.º 1…, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Paredes, o arguido JA foi condenado na pena de 3 meses de prisão substituída por multa, à taxa diária de 500$00, pela prática de um crime p. e p. pelo art. 388.º do CP; por decisão proferida no Proc. n.º 2…, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Paredes, foi condenado na pena de 60 dias de multa, à razão diária de 4000$00, pela prática de um crime p. e p. pelo art. 143.º do CP; por decisão proferida no Proc. n.º 3…, do 2.° Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, foi condenado na pena de 180 dias de multa, à razão diária de 1100$00, pela prática de um crime p. e p. pelo art. 359.º, n.ºs 1 e 2, do CP; -as exigências de prevenção geral, pelo necessário restabelecimento da confiança da comunidade na norma violada, especialmente acutilantes no presente caso, dada a dimensão da gravidade do ilícito, uma vez que houve ofensa directa e letal a agente de autoridade em exercício de funções, apesar de ter anunciado previamente a sua qualidade de polícia, ofensa essa produzida pelo arguido de forma súbita e rápida, pelo uso de arma proibida (metralhadora) com grande poder de fogo e perfurante (especialmente perigosa pela potencialidade letal, plural e sucessiva, inerente à sua funcionalidade), efectuando, pela rajada da metralhadora, disparo de vários projécteis na direcção de zonas vitais do corpo da vítima; -as exigências de prevenção especial que, face à matéria fáctica apurada, se situam na adequação necessária à normal ressocialização do agente, com vista a prevenir a reincidência; julga-se adequada uma pena de 19 anos de prisão.
Proc. n.º 165/09 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges Fernando Fróis