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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 18-02-2009
 Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Dupla conforme Aplicação da lei processual penal no tempo Direito ao recurso Âmbito do recurso Recurso da matéria de facto Omissão de pronúncia Nulidade da sentença
I -De acordo com o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção anterior à 23.ª alteração introduzida ao CPP pela Lei 48/2007, de 29-08, não era admissível recurso dos acórdãos condenatórios proferidos pela Relação confirmando a decisão de 1.ª instância, realizando aquilo que se denomina de dupla conforme.
II - A lei nova, no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, dispõe que as decisões condenatórias da Relação não são susceptíveis de recurso sempre que se limitem a confirmar a decisão da 1.ª instância e a pena efectivamente aplicada não seja superior a 8 anos de prisão.
III - As normas que regem sobre a aplicabilidade do recurso representam um alcance ambivalente: a um tempo um misto de lei processual proprio sensu e lei processual penal material, estas últimas representando, em termos substantivos, «uma verdadeira préconformação da penalidade», no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário ao Código de Processo Penal, pág. 54), podendo acarretar a sua aplicabilidade imediata um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido ou uma limitação ao seu direito de defesa, caso em que tal aplicabilidade imediata está ressalvada quanto aos processos já iniciados anteriormente, por força do art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, ou seja, quando comprometem, restringindo-o, de forma desproporcionada e arbitrária, o direito de acesso aos tribunais, com consagração no art. 20.º da CRP e no art. 6.º da CEDH.
IV - A jurisprudência e a doutrina reconhecem, no plano civilístico, que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum, considerando que as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam à face da lei nova, não havendo que tutelá-las – cf. Manual de Processo Civil, Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, 1984, págs. 54-55. Mas, no plano do direito e processo penal, a consideração da protecção de interesses predominantemente públicos dita a inserção no CPP do seu art. 5.º.
V - Neste STJ sustenta-se que o direito ao recurso da decisão final nasce para o recorrente no momento em que é proferida a decisão recorrida, pois até esse momento as vicissitudes por que passa o processo não lhe conferem uma expectativa fundada de reponderação, por isso há que atender à lei reguladora naquela data.
VI - Importa, no entanto, distinguir, para efeitos de aplicação da lei no tempo, entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas, sem margem para dúvidas, de imediata aplicação – cf. Prof. Alberto dos Reis, RLJ, Ano 86, págs. 49-53 e 8487.
VII - Numa situação em que a data do acórdão proferido em 1.ª instância se reporta a 30-042008, já após a entrada em vigor das alterações ao CPP introduzidas pela Lei 48/2007, de 29-08, se se ponderar que é a lei nova sob cuja égide nasceu o direito ao recurso, não se pode questionar que o poder cognitivo deste STJ não pode ser exercido, pois que a decisão da Relação é confirmativa da exarada em 1.ª instância e a pena aplicada não excede 8 anos de prisão, não distinguindo a lei entre condenação em uma pena única e em cúmulo, somente havendo que se confinar ao limite máximo de 8 anos.
VIII - Mas se se centrar numa visão que atente à circunstância de se tratar de processo pendente, já iniciado à data da lei que alterou os pressupostos formais e substanciais da admissibilidade do recurso, ainda assim outra conclusão não é de impor, já que todos os ilícitos objecto de julgamento são abstractamente puníveis com prisão não excedente a 8 anos de prisão, mesmo que em cúmulo a concreta pena aplicada o pudesse ser.
IX - As concretas questões a resolver pelo tribunal de recurso identificam o seu objecto, individualizando a pretensão para que se requer tutela jurisdicional, distinguindo-se entre aquelas e a mera falta de discussão das «razões» ou «argumentos», concluindo-se pela inocuidade da não abordagem destas últimas, neste sentido se pronunciando a doutrina e a jurisprudência – cf. Prof. Alberto dos Reis, in CPC Anotado, vol. V, e Acs. deste STJ de 02-07-1974, de 06-01-1977, de 13-02-1985 e de 05-06-1985, além do mais.
X - O nosso sistema de recursos não impõe a reapreciação da matéria de facto em mais do que um grau de jurisdição de recurso, mas a garantia dos direitos de defesa exige que, pelo menos, naquele patamar se exerça de facto, com a amplitude consagrada no art. 412.º, n.º 3, do CPP, em vista da modificabilidade da decisão, nos termos do art. 431.º, al. b), do CPP.
XI - Tendo o tribunal de recurso ponderado os factos provados e escrito no seu acórdão que «…tais factos se bem que sopesados fossem, não bastam para aplicação do regime dos jovens delinquentes», rematando que «…não concorrem “in casu” sérias razões no sentido de que a atenuação especial da pena de prisão facilitará a adequada defesa da sociedade e a prevenção da criminalidade por parte do arguido P…», escapou ao Tribunal da Relação essa apreciação no âmbito daquela impugnação, não lhe dedicando qualquer reflexão, sem embargo de concluir pela indevida actuação do regime penal de jovens delinquentes mas na pressuposição de imodificabilidade dos factos, que foi contestada e sobre a qual cumpre emitir veredicto, face à susceptibilidade ou insusceptibilidade de influenciar a peticionada atenuação especial ou redução da concreta medida da pena. Dito de outro modo: o tribunal afirma uma conclusão, a da inaplicabilidade do regime penal de jovens delinquentes, mas sobre terreno movediço, visto que não se debruça sobre factos que lhe respeitam e sobre o qual se exerceu impugnação.
XII - Por falta de pronúncia sobre a mutabilidade ou imutabilidade do acervo factual delimitado no recurso, o acórdão recorrido é nulo, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.
Proc. n.º 4128/08 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral