ACSTJ de 18-02-2009
Recurso de revisão Decisão que põe termo ao processo Revogação da suspensão da execução da pena Decisão que não põe termo à causa Novos factos Conhecimento superveniente
I -A revisão da sentença ou despacho é a relativização, ainda dentro de limites apertados, do valor do caso julgado penal, e realiza o formato da concordância prática entre a segurança e a estabilidade e o ideal de justiça, que, em situações de clamorosa ofensa, de ostensiva lesividade do sentimento de justiça reinante no tecido social, reclama atenuação da eficácia da decisão a coberto do trânsito em julgado. II - O trânsito em julgado não cobre, na filosofia deste recurso extraordinário, a injustiça da condenação penal. III - Qualquer sentença ou despacho pondo fim ao processo pode ser objecto de recurso extraordinário de revisão, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 449.º do CPP, que, na sua revisão operada pela Lei 48/2007, de 29-08, nas suas als. e), f) e g) alargou o leque das causas taxativas de revisão, deixando intocado o fundamento de revisão previsto na al. d) do preceito. IV - O despacho, fundamento da revisão, há-de ser um despacho que ponha termo ao processo. Despacho que põe fim ao processo é aquele que, segundo jurisprudência pacífica deste STJ, conhece da relação substantiva, pondo-lhe termo ou, não a conhecendo, tem como consequência o arquivamento ou encerramento do processo. É aquele que determina o fim da relação jurídico-processual, ou seja, que importa o terminus da relação entre o Estado e o cidadão, sujeito processual, no âmbito de um concreto objecto processual. V - A decisão que põe termo à causa nem sempre é uma decisão final, mas a decisão final é sempre uma decisão que põe termo à causa, definindo a existência ou inexistência de responsabilidade criminal e, quando for o caso, a culpa e a ilicitude, no sentido expresso no Ac. deste STJ de 25-05-2005, Proc. n.º 1254/05 -3.ª. VI - A decisão que conhece de contingências sobre a relação processual ou sobre uma questão avulsa, sobre incidências meramente processuais, próprias do desenvolvimento da relação processual, escapa ao conceito de decisão final e poderá, quando muito, constituir decisão que ponha termo ao processo. VII - Na doutrina, decisão que põe termo à causa significa que a questão substantiva fica definitivamente decidida, que o processo não prosseguirá para a sua apreciação – cf. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2.ª ed., Verbo 2000, pág. 323. VIII - Como se escreveu no Ac. deste STJ de 27-02-2008, Proc. n.º 4823/07 -3.ª, na esteira de outros, num caso em que estava em causa a revisão de um despacho que revogou por incumprimento das condições de suspensão esta pena de substituição, o despacho com o alcance explanado comporta uma dimensão contrária àquela que lhe empresta o finalizar do processo, pois que se intenta com ele (despacho) agilizar o andamento daquele pela decisão do incidente de revogação da suspensão da execução da pena, previsto nos arts. 55.º e 56.º do CP, promover, em consequência, a prossecução do processo de modo a que o condenado, imérito da suspensão, rebelde à ordem do tribunal ínsita na condenação, colocado em comprovadas condições capazes de observância, nos termos dos arts. 51.º a 54.º do CP, cumpra a pena, realizando a dinâmica do processo, longe de o condenar a um imobilismo definitivo. IX - O recurso extraordinário de revisão, que impõe a quebra de caso julgado e é permitido nos arts. 29.º, n.º 6, da CRP e 4.º, n.º 2, da CEDH, supõe a ocorrência de factos novos, que são aqueles que eram desconhecidos do recorrente na data da decisão revidenda ou só posteriormente vieram ao seu conhecimento. É essa novidade que há-de suportar grave dúvida, não qualquer dúvida, mas uma dúvida tal que quase atinja a certeza, sobre a justiça da decisão. X - Numa situação em que: -o despacho revidendo, que revogou a suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido e determinou, após trânsito em julgado, a emissão de mandados de detenção para cumprimento da pena, constatou que o arguido, para além de incumprir de forma total o plano individual de readaptação social, tornou a incumprir todas as regras de conduta, desatendendo os intuitos de inserção social com o tratamento médico com que desejava favorecer-se, não estando reunidas condições que levem a concluir que não volte a delinquir, atenta a sua personalidade de feição de alheamento, desobediência e indisciplina, considerando «falidas as razões que determinaram a suspensão da pena»; -previamente, e apesar do incumprimento do regime de prova, dando notícia de estar à procura de emprego, apostando-se no intuito da sua reinserção, determinou-se-lhe uma solene advertência no sentido de cumprir o plano individual de readaptação, concedeu-selhe um prazo de 3 meses para efectivar os exames médicos em falta – novamente o IRS informando de que o arguido se abstivera de a eles se submeter –, agravando-se as condições de alheamento social, caindo em desemprego, subsistindo no arrumo de carros e no consumo de álcool; -o esforço de recuperação e cumprimento das condições da suspensão só foi posto em marcha quando se viu privado da liberdade; é de concluir que o despacho revogatório, alicerçado no contexto disponível na data da sua prolação, procedeu a uma correcta análise dos factos. XI - Se o arguido entendia que injustamente lhe foi revogada a suspensão deveria ter interposto o correspondente recurso ordinário, e não, indevidamente, lançar mão do recurso extraordinário de revisão, com fundamento em factos supervenientes. XII - De qualquer forma, porque a decisão revidenda não se enquadra no conceito de decisão que põe termo ao processo, falece um dos pressupostos processuais do recurso, sendo de denegar a revisão.
Proc. n.º 109/09 -3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral
Pereira Madeira
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