Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 11-02-2009
 Responsabilidade civil emergente de crime Indemnização Danos não patrimoniais Equidade Morte Danos patrimoniais Danos futuros Pensão de sobrevivência Subsídio por morte Sub-rogação
I -A tutela compensatória da indemnização a arbitrar pelos danos não patrimoniais tem inscrita a função de conceder uma satisfação ao lesado, a qual nunca se poderá reconduzir a um papel meramente simbólico, mas significar uma adequada compensação aferida segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”, sendo fundamental, pois, a determinação do mal efectivamente sofrido.
II - Na verdade, a reparação dos danos não patrimoniais, na impossibilidade de repristinar a situação anterior, pois que tal é impossível, visa apenas compensar indirectamente a vítima, pelos sofrimentos, pela dor e pelos desgostos sofridos, atribuindo-lhe uma quantia em dinheiro que lhe permita alcançar, de certo modo, e noutros planos ou actividades, uma qualidade de vida que minimize a gravidade da ofensa de que foi alvo.
III - Na fixação de tal montante rege o art. 496.º do CC, o qual, nos termos do seu n.º 3, deve ser estabelecido equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
IV - Na formação do juízo de equidade devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos.
V - Vindo provado, para além do mais, que: -«No dia 22 de Novembro de 1999, cerca das 16h30m, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 65-23-ET, sentido poente-nascente da Rua Ana de Castro Osório, na Damaia, concelho da Amadora; -Ao efectuar tal manobra embateu com o pára-choques, lado esquerdo, no motociclo, matrícula 08-35-CB que, conduzido por RM, circulava no sentido nascente poente da Rua Ana de Castro Osório, provocando a queda deste condutor; -Como consequência directa e necessária do embate RM sofreu traumatismo do membro inferior, com fractura do fémur e tíbia esquerdos, lesões traumáticas essas que lhe causaram posterior embolia bilateral pulmonar a qual foi causa directa e necessária da sua morte, verificada em 13 de Janeiro de 2000, porquanto “os coágulos de sangue que originaram a embolia ocasionaram-se das úlceras abertas da perna esquerda e estas foram originadas pelo acidente de viação”, conforme melhor resulta da documentação hospitalar e do relatório de autópsia que aqui se dão por integralmente reproduzidos; -O arguido agiu com manifesta falta de cuidado que o dever geral de previdência aconselha, não tomou as especiais precauções exigíveis para a realização da manobra de mudança de direcção sem causar perigo, conduzindo totalmente alheio às regras impostas pela regras estradais; -Entre a agressão que a vítima RM sofreu e a sua morte mediou um certo período em que sofreu dores de grande intensidade; -O médico Dr. MT confirmou a existência de fractura do fémur e da tíbia, com osteosíntese, tendo indicado poder iniciar fisioterapia (não efectuar carga nos membros inferiores), o que aconteceu nos dias 6, 7, 10 a 12 de Janeiro de 2000 que constou de crioterapia ao joelho, mobilização das articulações do membro inferior esquerdo, massagem de zonas de cicatrização de membro inferior esquerdo e fortalecimento muscular do mesmo membro»; se é certo que as lesões infligidas implicam um nível qualitativamente superior a título de quantum doloris, bem expresso pela afirmação de que sofreu dores de grande intensidade, igualmente é exacto que o período durante o qual se prolongou o sofrimento foi relativamente curto, pelo que a fixação do montante de € 20 000 relativamente a tais danos se enquadra nos parâmetros deste STJ e se afigura equitativo.
VI - O óbito do lesado provoca sempre, no próprio momento em que se verifica, para além do dano consistente na perda do bem da vida, um dano patrimonial, também indemnizável, que se traduz na perda da capacidade produtiva pelo tempo de vida que previsivelmente lhe restaria, dano esse cujo valor só pode ser aferido tendo em conta o próprio rendimento susceptível de ser produzido mediante a concretização dessa capacidade; e os sucessores do lesado directo têm direito também à indemnização correspondente a esse dano patrimonial sofrido pelo lesado, direito esse que se lhes transmite, integrado na herança.
VII - É em função da denominada teoria da diferença, conjugada nos termos do art. 562.º e ss. do CC, que é definido o direito de indemnização de que são titulares as pessoas referidas no art. 495.º, n.º 3, independentemente da necessidade efectiva de alimentos.
VIII - Quer isto dizer que também aos lesados indirectos quer a lei que se atribua o que na realidade perderam, ou seja, tudo aquilo com que o lesado directo efectivamente os vinha beneficiando e, provavelmente, continuaria a beneficiar se não tivesse falecido. Com a morte do lesado directo ocorre efectiva perda patrimonial, em termos de previsíveis danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou, quando não assim, poderia eventualmente vir a prestar, à família.
IX - A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser avaliado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566.º, n.ºs 2 e 3, do CC).
X - Em sede jurisprudencial tem obtido consagração na prática quotidiana a utilização de fórmulas e tabelas financeiras de variada índole, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que, como bem aponta a decisão deste STJ de 12-12-2003, se não coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, pelo que há que valorizar essencialmente nesta matéria o critério da equidade. O principal eixo de tal definição fundamenta-se no pressuposto de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho.
XI - Como se refere em Ac. deste STJ de 29-10-2008, vem o mesmo Tribunal entendendo que a indemnização por danos futuros decorrente de incapacidade permanente deve corresponder a um capital produtor de rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida activa, que seja susceptível de garantir, durante essa vida, as prestações periódicas correspondentes ao rendimento perdido, para o que se deverá atender à idade e ao tempo provável de vida do lesado, à actividade profissional desenvolvida, ao tempo provável da sua duração e eventual expectativa de aumento de rendimento, às condições de saúde e previsível evolução da vida económica, capital este que, sendo entregue imediatamente, deve ser objecto de uma dedução, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia, dedução que é usual situar-se em ¼.
XII - Nesse quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável de vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido – deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social –, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.
XIII - Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
XIV - Essencialmente, o que está em causa é o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, e tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.
XV - Os danos patrimoniais sofridos pela demandante devem ser computados tendo em atenção a perda do salário do falecido: se o salário era um bem comum do casal que foi eliminado pelo lesante terá que ser este, ou quem assume a sua responsabilidade, a ressarcir patrimonialmente a perda desse bem.
XVI - Assim sendo, e admitindo-se como válida a consideração de que o montante recebido não era susceptível de dedução nos rendimentos patrimoniais líquidos para efeitos fiscais, e considerando a afectação de 1/3 para as despesas pessoais da vitima, obtemos um montante que, de acordo com o critério supra-enunciado, se fixa em € 150 000. Corresponde tal quantia ao valor anual dos salários (14x110.000$00) multiplicado pelo número de anos que medeiam até ao fim da vida activa (30 anos) e deduzido de ¼, pois que se pretende determinar o “capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, capital esse que se extinga no final do período provável da sua vida”.
XVII - O valor obtido – efectuada, como se efectuou, a respectiva conversão em euros – deverá ser equacionado com a circunstância de o índice de preços no consumidor ter aumentado 2,9 em 2000; 4,4 em 2001; 3,6 em 2002; 3,3 em 2003; 2,4 em 2004; 2,3 em 2005; 3,1 em 2006; 2,7 em 2007. Assim, é correcto, e corresponde a uma actualização que vai ao encontro dos parâmetros legais – art. 566.º do CC –, ter em atenção tal depreciação do valor da moeda e fixar o montante da indemnização por danos patrimoniais em € 185 000.
XVIII - Aliás, a valor idêntico seria reconduzida a operação que tivesse como premissa a aplicação da fórmula contida no Ac. do STJ de 07-12-2007, que se entende como sendo uma outra via de conseguir o mesmo objectivo de determinação de um capital produtor de rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida activa.
XIX - Na sua estrutura, a pensão de sobrevivência e o subsídio por morte traduzem-se em prestações pecuniárias sociais, ou seja, sem o carácter indemnizatório das prestações relativas à perda de rendimento do trabalho e de dispêndio com o funeral do beneficiário da segurança social.
XX - Não são cumuláveis o valor da pensão de sobrevivência e do subsídio por morte, por um lado, e o valor indemnizatório devido pela seguradora, no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito, por ela assumida por via do contrato de seguro, em razão da perda do rendimento do trabalho e do dispêndio com o funeral, por outro – cf., neste sentido, Acs. do STJ de 01-06-1995, CJSTJ, III, tomo 2, pág. 222; de 03-07-2002, CJSTJ, X, tomo 2, pág. 237; e de 23-10-2003, CJSTJ, XI, tomo 3, pág. 111.
XXI - Na verdade, quer a lei vigente ao tempo da morte da vítima quer a actual (art. 16.º da Lei 28/84, de 14-08, e art. 71.º da Lei 32/2002, de 30-12) estabelecem que, no caso de concorrência, no mesmo facto, do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite dos valores que lhe conceder. XXII -Está, assim, determinado o condicionalismo da sub-rogação legal do ISSS/CNP quanto às pensões de sobrevivência já pagas e ao subsídio por morte, sendo certo que essa subrogação não abrange as prestações de sobrevivência futuras – cf. Assento do STJ de 09-111977, BMJ 271.º/100. XXIII -Tendo o ISSS/CNP exercitado no processo esse seu direito de sub-rogação e reembolso, contra a demandada seguradora, condenada esta no respectivo montante não pode a mesma ser obrigada a indemnizar cumulativamente à Segurança Social e à demandante um dano que não é cumulável, sob pena de enriquecimento ilegítimo. XXIV -Assim, do montante indemnizatório relativo a danos patrimoniais a pagar pela seguradora haverá que deduzir o montante relativo a pensões de sobrevivência e subsídio por morte efectivamente pagos pela Segurança Social.
Proc. n.º 3980/08 -3.ª Secção Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes