ACSTJ de 11-02-2009
Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Aplicação da lei processual penal no tempo Direito ao recurso Homicídio qualificado Tentativa Incêndio Concurso de infracções Cúmulo jurídico Pena única
I -Tendo em consideração que: -nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção em vigor, introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, não são recorríveis os acórdãos condenatórios das Relações, proferidos em recurso, que apliquem penas de prisão não superiores a 8 anos; -as penas parcelares em que o recorrente foi condenado não ultrapassam, nenhuma delas, o limite de 8 anos de prisão, pelo que estão abrangidas pela previsão desse preceito; -apesar de o processo se ter iniciado antes da publicação da Lei 48/2007, e de a privação do recurso para o STJ constituir um “agravamento sensível” da situação processual do arguido, a regra enunciada no art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP, no que ao direito ao recurso se refere, reporta-se apenas às decisões proferidas em 1.ª instância antes da entrada em vigor da lei nova, já que, conforme entendimento largamente maioritário neste STJ, só com a condenação nasce para o arguido o direito ao recurso; -sendo a sentença da 1.ª instância proferida na vigência da lei nova, não se verifica nenhuma “privação” do direito ao recurso para o STJ, pois esse direito já não lhe estava atribuído por lei; é parcialmente inadmissível o recurso, que só subsiste no que respeita à pena unitária, que ultrapassa a medida de 8 anos de prisão. II - Estando em causa a prática pelo arguido de 2 crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.º 2, al. g), parte final, 22.º e 23.º, e de 1 crime de incêndio, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, al. a), todos do CP, e atendendo a que: -a moldura da pena única varia entre 7 anos e 6 meses (pena parcelar mais elevada) e 16 anos e 6 meses de prisão (soma das penas parcelares), sendo dentro deste quadro que as circunstâncias dos factos e da personalidade vão intervir para fixar a pena concreta; -o recorrente agiu com dolo directo e muito intenso, praticando sucessivos actos criminosos, incendiando o automóvel, primeiro, como meio perverso de atrair para o exterior da residência dos ofendidos algum deles, e atentando contra a vida de ambos, de seguida, sem qualquer discussão prévia com eles, revelando um firme propósito de executar um plano criminoso para o qual se munira com os instrumentos adequados (arma de fogo e vasilha com gasolina); -agiu com surpresa, esperando escondido o aparecimento dos ofendidos e disparou imediatamente logo que eles surgiram. E o facto de ter atingido gravemente o ofendido não o impediu de também fazer fogo contra a companheira daquele; -mostrou-se indiferente perante o perigo de incendiar a casa dos ofendidos, que ainda ardeu parcialmente e só não ardeu totalmente devido à intervenção dos bombeiros; -este comportamento sucessivo encerra uma muito elevada ilicitude, a par de uma culpa intensa; -graves foram também as consequências do crime na pessoa do ofendido EA, que viu a vida em risco com a agressão do arguido; -não há atenuantes de relevo a registar – não se provou o arrependimento, nem sequer a confissão, já que o recorrente não prestou declarações em julgamento – e os traços da sua personalidade não determinam qualquer atenuação da sua responsabilidade; não há qualquer censura a fazer à decisão recorrida que, em cúmulo jurídico das penas parcelares de 7 anos e 6 meses de prisão, 6 anos de prisão e 4 anos de prisão, fixou a pena única em 12 anos de prisão.
Proc. n.º 113/09 -3.ª Secção
Maia Costa (relator)
Pires da Graça
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