Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 11-02-2009
 Recurso penal Questão nova Competência do Supremo Tribunal de Justiça Vícios do art. 410.º do Código de Processo Penal Qualificação jurídica Conhecimento oficioso Homicídio qualificado Frieza de ânimo Medida concreta da pena
I -Tendo em consideração que: -no seu recurso para o STJ, o arguido coloca as questões da insuficiência da matéria de facto, da violação do princípio in dubio pro reo, da subsunção dos factos ao crime de homicídio qualificado e da medida da pena; -no recurso que interpôs para a Relação apenas suscitou a nulidade do acórdão por erro notório na apreciação da prova relativamente a certos factos dados como provados e questionou a medida da pena; está vedado a este Supremo Tribunal apreciar as questões novas colocadas agora pelo recorrente, pois que o acórdão ora recorrido não é o da 1.ª instância, mas sim o da Relação, de forma que só as questões que este último Tribunal abordou, sob o impulso do recorrente, são susceptíveis de escrutínio superior.
II - Por outro lado, revestindo o presente recurso a natureza de recurso de direito, nunca poderia funcionar como seu fundamento a arguição dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
III - Em contrapartida, sendo a qualificação dos factos incontestavelmente matéria de direito, essa matéria é sempre susceptível de apreciação por este STJ, oficiosamente.
IV - Resultando da factualidade assente, para além do mais, que: -o recorrente arquitectou um plano, bem reflectido, bem ponderado, para matar a sua mulher e simultaneamente obter um álibi que o pusesse a salvo de suspeitas. -metodicamente, ao longo de vários dias, foi reunindo informações (inclusivamente junto das filhas, o que é especialmente perverso!) que lhe permitissem escolher o dia e a hora propícios para o crime, assim como foi preparando os meios de o executar, de transportar o cadáver e de se desfazer dele, e simultaneamente de preparar, mediante o aluguer de um automóvel, a montagem de uma encenação que o ilibasse da prática do crime; -com invulgar sangue-frio, executou o plano; e, quando teve de o alterar, por se aperceber de que não podia levar consigo o cadáver, já que as paredes, os móveis, a roupa e o chão do compartimento onde o crime fora praticado estavam com sangue, também o fez com frieza e reflexão, passando a simular um assalto e a proceder à encenação do mesmo meticulosamente; este procedimento reflectido, metódico e persistente constitui indiscutivelmente uma conduta especialmente censurável e perversa, e a sua classificação como homicídio qualificado (e a integração na al. i) – hoje al. j) – do art. 132.º do CP) não sofre qualquer dúvida.
V - Ponderando que: -o dolo é muito intenso e a ilicitude muito elevada, já que todo o comportamento do arguido é revelador de um grande desprezo pela vida humana, e concretamente pela da mulher, com quem casou e viveu muitos anos, a quem portanto devia especialmente respeitar, de quem não recebera quaisquer ofensas, antes dedicação e tolerância para os seus “excessos”, e de quem tinha duas filhas, que privou da mãe; -a execução do crime foi particularmente violenta e cruel, pela surpresa com que o arguido actuou e pelo processo letal utilizado (estrangulamento com uma corda de nylon), sendo intenso o sofrimento a que submeteu a vítima; -o conjunto de circunstâncias que rodearam a conduta do arguido, desde a planificação do crime à sua execução e à prática de actos tendentes à sua impunidade, revela um comportamento invulgarmente censurável e perverso; -são especialmente fortes as exigências de prevenção geral, já que o crime se integra num tipo de criminalidade (a violência doméstica) que o legislador e a sociedade repudiam particularmente; -os interesses da ressocialização, como fim das penas, têm de ser enquadrados com os das demais finalidades. A pena deve ser fixada em função da culpa, cuja medida não pode ultrapassar, e das exigências de prevenção; -a moldura abstracta é de 12 a 25 anos de prisão; a pena de 20 anos de prisão não excede seguramente a medida da culpa, que é muito elevada, e satisfaz minimamente as exigências preventivas, não inviabilizando a ressocialização, nenhuma censura havendo a fazer à decisão recorrida.
Proc. n.º 4132/08 -3.ª Secção Maia Costa (relator) Pires da Graça