ACSTJ de 04-02-2009
Regime penal especial para jovens Omissão de pronúncia Atenuação especial da pena Prevenção geral Prevenção especial Arguido ausente
I -O regime penal especial para jovens adultos com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, instituído pelo DL 401/82, de 23-09, corresponde a um dos “casos expressamente previstos na lei” a que alude o n.º 1 do art. 72.º do CP, sendo que a atenuação especial ao abrigo deste regime especial: -não é de aplicação necessária e obrigatória; -não opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; -é de conhecimento oficioso; -não constitui uma mera faculdade do juiz, mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; -é de conceder sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado – a equacionar perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida –, sendo em tais circunstâncias obrigatória e oficiosa; -não dispensa a ponderação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; -impõe se justifique a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, deve ser fundamentada a não aplicação. II - Desde 01-01-1999, com a entrada em vigor da reforma do processo penal operada pela Lei 59/98, de 25-08, que se passou a perspectivar a não consideração da aplicabilidade do regime penal especial para jovens como nulidade por omissão de pronúncia sobre questão de conhecimento oficioso – art. 379.º, n.ºs 1, al. c), e 2, do CPP –, mas caso se entenda estar em causa a violação do dever de fundamentação, a falta desta constituirá violação da injunção constante do art. 374.º, n.º 2, do CPP, sendo então a nulidade a prevista na al. a) do n.º 1 do citado preceito. III - Já quanto à consideração, ou não, na análise e ponderação a realizar, da natureza e gravidade do crime e seu modo de execução, ou seja, da prevalência ou não das exigências especiais sobre as exigências de prevenção geral de integração dos valores plasmados na ordem jurídico penal, a jurisprudência divide-se: -para uma certa corrente, as razões atinentes às necessidades de reprovação e de prevenção do crime poderão, tendo por base o que consta do ponto n.º 7 do preâmbulo do DL 401/82 ou fazendo uma chamada de atenção para a imposição de um limite às considerações de reinserção social, precludir a aplicação do regime, designadamente quando a ele se opuserem considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; -noutra linha jurisprudencial – que será de compromisso com a ponderação adequada das duas finalidades da pena –, entende-se que no juízo de prognose positiva imposto ao aplicar o art. 4.º do referido diploma há que considerar a globalidade da actuação e da situação pessoal e social do jovem, o que implica o conhecimento da sua personalidade, das suas condições pessoais, da sua conduta anterior e posterior ao crime, não se podendo atender de forma exclusiva (ou desproporcionada) à gravidade da ilicitude ou da culpa do arguido; -em sentido diverso, defende ainda alguma jurisprudência que a perspectiva da ressocialização deve ser a enfatizada, sendo que o único fundamento legítimo para recusar a aplicação do regime especial é a inexistência de vantagens para a reinserção social. IV - A ser deferida a atenuação especial prevista no art. 4.º do DL 401/82 terá a medida premial de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos arts. 72.º e 73.º do CP, que constituem apoio subsidiário do regime ali previsto. V - A diferença substancial entre a atenuação especial da pena prevista no regime penal especial para jovens e a constante do art. 72.º do CP está em que naquele, tal como estabelece o art. 4.º do DL 401/82, são razões de prevenção especial que fundamentam o regime, pelo que a finalidade ressocializadora se sobrepõe aos demais fins das penas; e na medida prevista no CP a aplicação de moldura mais benevolente assenta na existência de circunstâncias que tenham por efeito a diminuição por forma acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. VI - Numa situação em que: -na ausência escolhida e assumida pelo arguido a julgamento, que se revelou incontactável ao longo do tempo (cerca de 17 meses) até ser notificado da decisão, o tribunal esteve impedido de coligir melhores elementos para formular um juízo de prognose favorável, para decidir se no caso existiriam ou não sérias razões para crer que da atenuação especial da pena resultavam reais vantagens para a reinserção social do arguido; -não ficaram, por via disso, provados factos demonstrativos da interiorização do carácter lesivo da sua conduta, pouco ou nada se podendo avaliar acerca do carácter evolutivo e da capacidade de ressocialização do arguido, de uma readaptação positiva à vida em sociedade, ao retorno aos padrões de normalidade que o Direito tutela; não é possível formular um juízo optimista sobre a personalidade do arguido, a ponto de se poder afirmar, com elevado grau de probabilidade, que a aplicação de pena atenuada irá contribuir para a sua reinserção, sendo, por isso, de afastar a aplicação do regime penal especial para jovens. VII - Com efeito, a atenuação tem de emergir de um julgamento do caso concreto – impondo-se proceder a uma apreciação conjunta do circunstancialismo factual da prática do crime e de tudo aquilo que o tribunal tenha podido apurar acerca das condições pessoais e personalidade do jovem – que incuta na convicção do juiz a crença em sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção. VIII - Ora, in casu, há uma manifesta falta de elementos de concretização dos factos relativos à personalidade e ambiência do arguido, que se não lograram apurar face à sua ausência e à do seu contributo, sendo certo que a ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídico comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais que objectivamente elucidem que está realmente interessado no caminho da ressocialização. IX - Não se apurou qualquer atenuante, para além da idade, que releva apenas como pressuposto formal da aplicabilidade do regime especial, mas que de per se não chega, não decorrendo daí automaticamente a decretação da atenuação, não constituindo isoladamente uma séria razão para aplicar a medida com o alcance de que a redução da gravidade da reacção punitiva favorecerá a ressocialização do arguido. A idade será de considerar tão-só na determinação da pena como atenuante geral.
Proc. n.º 4135/08 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
Henriques Gaspar
Armindo Monteiro
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