Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 04-02-2009
 Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Dupla conforme Aplicação da lei processual penal no tempo Direito ao recurso Violação Medida concreta da pena
I -Tem sido entendimento jurisprudencial que o recurso se rege pela lei em vigor à data da decisão recorrida ou, pelo menos, da sua interposição, pois o direito ao recurso só surge com a prolação da respectiva decisão – cf. Acs. deste STJ de 23-11-2007, Proc. n.º 4459/07 -5.ª, e de 30-04-2008, Proc. n.º 110/08 -5.ª, este citando José António Barreiros (in Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, pág. 189): «…em matéria de recursos, o problema da lei aplicável à prática dos actos processuais respectivos haverá de encontrar-se em função da regra geral – a da vigente no momento do acto – e não em função de um critério especial, pelo qual se atenda à lei vigente no momento da interposição do recurso a qual comandaria inderrogavelmente toda a tramitação do recurso».
II - Também Germano Marques da Silva parece concordar com tal interpretação, pois, para ele, a excepção da não aplicação imediata da lei nova só se impõe «quando desta resultar, no caso concreto, diminuição do direito de defesa do arguido, frustrando as expectativas de defesa relativamente à admissibilidade de certos actos de defesa que ficariam prejudicados pela aplicação imediata da lei nova».
III - Como diz Cavaleiro de Ferreira (Curso de Processo Penal, I, págs. 62-63), do princípio geral da aplicação da lei processual no tempo, segundo o qual a lei aplicável é a vigente no momento em que o acto processual foi ou é cometido, resulta que se um processo terminou no domínio de uma lei revogada o mesmo mantém pleno valor; se o processo não se iniciou ainda, embora o facto que constitua o seu objecto tenha sido cometido no domínio da anterior legislação, é-lhe inteiramente aplicável a nova legislação; e se a lei nova surge durante a marcha do processo são válidos todos os actos processuais realizados de harmonia com a lei anterior, sendo submetidos à nova lei todos os ulteriormente praticados.
IV - Em matéria de recursos tal significa, em conjugação com o princípio jurídico-constitucional da legalidade, que a lei nova será de aplicar imediatamente, sem embargo da validade dos actos já praticados, a menos que por efeito da aplicação da lei nova se verifique um agravamento da situação do arguido ou se coloque em causa a harmonia e unidade do processo. Assim, a lei nova é aplicável a todos os actos processuais futuros, com a ressalva imposta pelas als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do CP. É esta a orientação que este STJ tem assumido, de forma pacífica (cf. Ac. de 20-02-2008, Proc. n.º 4838/07 -3.ª).
V - Integrando o recurso e o respectivo direito de interposição um direito fundamental do arguido, se a lei nova lhe retirar um grau de recurso – para o STJ –, que em abstracto lhe assistia face ao regime processual anterior, é de admitir o recurso interposto – Ac. do STJ de 05-03-2008, Proc. n.º 100/08.
VI - Numa situação em que: -o arguido foi condenado em 1.ª instância, por acórdão de 06-07-2007, pela prática de um crime de violação agravado, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; -tal decisão e pena foram confirmadas pelo Tribunal da Relação ao rejeitar o recurso interposto pelo arguido, por ser manifestamente improcedente; face à anterior redacção do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, em vigor à data da decisão da 1.ª instância, era admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, por o crime ser punível, em abstracto, com pena de prisão de 4 anos a 13 anos e 4 meses e o acórdão ser condenatório.
VII - Porém, a nova redacção dada àquela alínea do n.º 1 do referido preceito já não permite o recurso para o STJ, pois o acórdão da Relação (proferido em 16-04-2008) é condenatório e confirmou – em recurso – a pena de 5 anos e 6 meses de prisão aplicada por decisão da 1.ª instância.
VIII - Sendo assim, da aplicação imediata desse preceito legal (art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção introduzida pela Lei 48/2007) resultaria agravamento sensível da posição do arguido, na medida em que lhe retiraria um grau de recurso, razão pela qual o mesmo é legalmente admissível.
IX - Estando em causa a prática de um crime de violação agravado p. e p. pelos arts. 164.º, n.º 1, e 177.º, n.º 4, do CP, a que corresponde a moldura penal abstracta de prisão de 4 anos a 13 anos e 4 meses, e tendo em consideração que: -o acórdão recorrido ponderou devidamente todo o circunstancialismo da infracção, o grau de ilicitude dos factos e a medida da culpa; -o arguido actuou única e exclusivamente para satisfazer a sua lascívia sexual, não obstante saber que a ofendida apenas tinha 12 anos de idade e que não desejava manter qualquer tipo de relações sexuais; -para concretizar os seus intentos o arguido não se inibiu de molestar e constranger fisicamente a ofendida, apesar da resistência que esta conseguiu oferecer; -agiu livre, deliberada e conscientemente, com o propósito concretizado de praticar acto sexual de cópula com a ofendida; -ao assim proceder bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal; -é agricultor e aufere um vencimento mensal de cerca de € 600; -vive, em casa própria, com a mulher e com os seus três filhos, de 7, 11 e 13 anos de idade, todos estudantes e de si dependentes; -possui veículo automóvel próprio da marca Renault, modelo Clio; -contraiu um empréstimo para concessão de um crédito para compra de uma mota, pelo qual paga a quantia de € 150/mês; -possui como habilitações literárias a 4.ª classe de escolaridade; -tem antecedentes criminais averbados ao seu CRC pela prática de crimes de caça e de pesca, tendo sido condenado em pena de multa, a qual já foi declarada extinta pelo cumprimento, e pela prática, em 24-11-2000, de um crime de ofensa à integridade física grave, tendo sofrido condenação em pena de prisão, a qual foi declarada suspensa na sua execução; -a favor do arguido milita a sua inserção social e familiar, a sua condição social e económica modesta, o seu pequeno grau de escolaridade e o facto de ter praticado apenas um único acto; -contra ele, militam o dolo directo e intenso e o elevado grau de ilicitude dos factos praticados, as consequências a nível psicológico resultantes para a então menor ofendida, a diminuta idade desta, o facto de o arguido ser tio da mesma ofendida e de se ter aproveitado dessa relação para mais facilmente concretizar as suas intenções, indo buscar a menor a casa e convidando-a a acompanhá-lo no carro a uma localidade onde ia ter com amigos e de seguida praticar os actos (de cópula) provados, revelando uma premeditação na sua actuação; -são acentuadas as exigências de prevenção especial face à ausência de arrependimento do arguido e ao facto de ter já antecedentes criminais (ainda que de natureza diferente dos destes autos); -a prática dos factos agora em apreço revela um comportamento desconforme aos valores essenciais da sociedade e uma personalidade que justifica maiores exigências de reinserção social; -as exigências de prevenção geral são igualmente acentuadas, face à insegurança e alarme social que a conduta do arguido provoca na população em geral e sobretudo nas mulheres e crianças; considera-se adequada e equilibrada a pena aplicada, de 5 anos e 6 meses de prisão.
Proc. n.º 4137/08 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar