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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 04-02-2009
 Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Dupla conforme Concurso de infracções Aplicação da lei processual penal no tempo Confirmação in mellius Caso julgado Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil Direito ao recurso
I -Face ao art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08, era jurisprudência firme do Supremo que não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmassem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, face à denominada “dupla conforme”.
II - Entendia-se que a expressão «mesmo em caso de concurso de infracções», constante da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, significava que, apesar de no caso se configurar um concurso de infracções, a regra primária da referida norma continuava a valer, incluindo nela também as situações em que os crimes do concurso se integrassem nos limites da primeira referência a «pena aplicável», isto é, em que uma das penas aplicáveis a um dos crimes do concurso não ultrapassasse 8 anos de prisão, havendo identidade de condenação nas instâncias.
III - Nesta ordem de ideias, desde que a pena abstractamente aplicável, independentemente do concurso de infracções, não fosse superior a 8 anos, não seria admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ (na tese usualmente seguida pelo Supremo), sendo que uma outra tese, não seguida por esta Secção, entendia que, na interpretação mais favorável para o recorrente, apenas seria admissível recurso da pena conjunta que correspondesse ao concurso de crimes a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos.
IV - Com a revisão do CPP operada pela Lei 48/2007, de 29-08, deixou de subsistir o critério do «crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos», para se estabelecer o critério da pena aplicada não superior a 8 anos. Daí que se eliminasse a expressão «mesmo no caso de concurso de infracções».
V - Assim, mesmo que ao crime seja aplicável pena superior a 8 anos, não é admissível recurso para o Supremo se a condenação confirmada não ultrapassar 8 anos de prisão.
VI - Ao invés, se ao crime não for aplicável pena superior a 8 anos de prisão, só é admissível recurso para o STJ se a condenação confirmada ultrapassar 8 anos de prisão, decorrente de cúmulo, e restrito então o recurso à pena conjunta.
VII - Não tem campo de aplicação, no caso concreto, a excepção à aplicabilidade imediata da lei processual constante do n.º 2 do art. 5.º do CPP, mesmo que se entenda que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, uma vez que a decisão da 1.ª instância de que foi interposto recurso para a Relação, e que motivou a decisão da Relação ora em questão, foi proferida já no domínio da lei nova.
VIII - A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objectivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria da causa, ou seja, a da 1.ª instância – cf. Ac. deste STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 -3.ª.
IX - É maioritária a posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal segundo a qual se deve considerar confirmatório, não só o acórdão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância, mas também aquele que, mantendo a qualificação jurídica dos factos, reduz a pena imposta ao recorrente, sendo o argumento decisivo fundamentador desta orientação o de que não seria compreensível que, mostrando-se as instâncias consonantes quanto à qualificação jurídica do facto, o arguido tivesse que conformar-se com o acórdão confirmatório da pena mas já pudesse impugná-lo caso a pena fosse objecto de redução.
X - Certo é que ao instituto da “dupla conforme”, como excepção ao princípio do direito ao recurso – constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP –, subjaz a ideia de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito – cf. Ac. deste STJ de 16-09-2008, Proc. n.º 2383/08 3.ª.
XI - Para além da ocorrência de “dupla conforme”, outra razão fundamenta ainda a não admissibilidade de recurso da decisão da Relação para o STJ: se o recurso dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo só é possível quando apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito – art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP –, seria ilógico, contraditório e até irrisório, não fazendo qualquer sentido normativo (material e processual), que, em caso onde não era admissível recurso do acórdão da 1.ª instância para o STJ, por ter aplicado pena não superior a 5 anos de prisão, tendo, por isso, sido interposto recurso para a Relação, que até veio a reduzir essa pena, já pudesse haver recurso para o STJ da decisão do tribunal superior competente para conhecer do recurso (o tribunal da 2.ª instância).
XII - O exposto não é invalidado mesmo na tese da pretensa ofensa ao caso julgado, alegada pelo recorrente como fundamento de recurso, na medida em que a decisão final seria a agora recorrida, visto que in casu não é aplicável subsidiariamente o CPC, por as normas sobre o regime e tramitação dos recursos em processo penal serem autónomas, encontrando-se expressamente previstas no CPP.
XIII - O art. 32.º da CRP não confere a obrigatoriedade de um duplo grau de recurso, ou terceiro grau de jurisdição, assegurando-se o direito ao recurso nos termos processuais admitidos pela lei ordinária.
XIV - As legítimas expectativas criadas foram acauteladas constitucionalmente, na situação concreta, com o recurso interposto para a Relação, por força da conjugação dos arts. 432.º, n.º 1, al. c), e 427.º, ambos do CPP.
Proc. n.º 4134/08 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges