ACSTJ de 27-01-2009
Aplicação da lei processual penal no tempo Admissibilidade de recurso Direitos de defesa Competência do Supremo Tribunal de Justiça Homicídio por negligência Responsabilidade civil emergente de crime Equidade Dano Danos não patrimoniais Indemniza
I -A decisão proferida em 1.ª instância é de 26-06-2006 e a condenação do arguido cifra-se numa pena de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 9 meses, pela prática do crime p. e p. no art 137.º, n.º 1, do CP, punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa; à luz da al. e) do n.º 1 do art. 400.º e do art. 432.º, al. b), a contrario, ambos do CPP, na redacção contemporânea da decisão da 1.ª instância, caberia recurso da mesma, apenas para o Tribunal da Relação. II - A decisão recorrida foi proferida a 13-02-2008, e, portanto, já na vigência do n.º 3 do art. 400.º do CPP, o que coloca a questão de saber se o regime legal relativo à matéria da recorribilidade em foco, deve aferir-se pela decisão de 1.ª instância ou pela decisão aqui recorrida, a do Tribunal da Relação. III - Estando em causa exclusivamente o recurso da parte cível, e interposto pela demandada, este é o entendimento que se perfilha: -tanto a decisão recorrida, como a interposição de recurso, tiveram lugar depois da entrada em vigor da Lei 48/2007, de 29-08; -atendendo ao princípio tempus regit actum que o art. 5.º do CPP consagrou no seu n.º 1, a admissibilidade do recurso da parte cível, impõe-se, no caso dos autos, porque não há obviamente lugar a qualquer das excepções previstas no n.º 2 do artigo. Está-se perante uma lei nova que faculta um recurso, negado pela lei anterior, o que só pode redundar em benefício, e não em agravamento, da posição processual do arguido, ou então lhe é indiferente, como acontece nestes autos. IV - O princípio geral em matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, resulta do art. 483.º, n.º 1, do CC, que estipula: “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. V - Enumeram-se então, como elementos constitutivos deste tipo de responsabilidade civil, a ocorrência de um facto voluntário do agente, a ilicitude deste mesmo facto, a imputação subjectiva do facto ao agente, a título de dolo ou negligência, a sobrevinda de um dano ao comportamento levado a cabo, e, finalmente, que entre o facto e o dano exista um nexo de causalidade, de modo a poder dizer-se que foi aquele que produziu este em termos juridicamente relevantes, para efeito de responsabilização do autor do acto. VI - Os danos não patrimoniais, concretamente a dor sentida pela perda de um ente querido, são fonte da obrigação de indemnizar. Esta, porém, tem propósitos meramente compensatórios, assumindo-se como uma tentativa de minorar o sofrimento causado ao lesado, e por outro lado, como uma satisfação dada pelo agente em virtude do seu comportamento censurável. Não tem a veleidade de apagar o dano moral, com bens materiais, pela evidente natureza heterogénea das realidades em confronto. VII - Em matéria de danos não patrimoniais, não se escamoteia a dificuldade inerente ao cálculo da indemnização devida, só à luz desta disciplina; porém, importa atender para tal efeito à disciplina do art. 496.º e seu n.º 3, nos termos do qual “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º”. VIII - Ou seja, nos termos deste normativo, tratando-se de responsabilidade por mera culpa, “poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.” Outra indicação é-nos dada, indirectamente, pela necessidade de especial gravidade do dano imposta pelo n.º 1 do art. 496.º, sempre do CC, “o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras e boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (A. Varela, Das Obrigações em Geral, 1.º vol., pág. 599, nota 4). IX - É dizer que, o montante indemnizatório, a determinar segundo a equidade, será o resultado de um conjunto de circunstâncias que confluem no caso e lhe dão uma nota singular, como sejam: -o tipo e grau de culpa do responsável pelo facto; -as circunstâncias do evento com interesse para aferição do grau de ilicitude, sem esquecer o sofrimento da própria vítima; -o modo como o titular do direito à indemnização foi confrontado com o facto; -os meios de que dispõe economicamente a entidade obrigada a indemnizar; -a falta que a vítima faz ao lesado em termos de sofrimento moral, decorrente, entre o mais, das idades de ambos, da convivência que tinham, do relacionamento afectivo que entre eles existia; o teor económico de vida do titular do direito à indemnização; -a flutuação do valor da moeda, e, -em nome da segurança da justiça, a prática jurisprudencial no sector. X - A Portaria n.º 377/2008, de 26-05, veio fixar aquilo que considera proposta razoável para indemnização de dano corporal derivado de acidente automóvel, sem prescindir de se pronunciar sobre outros danos, como o dano moral derivado da morte da vítima e sofrido pelos herdeiros (cf. art. 5.º). O anexo II refere então, como compensação devida em caso de morte aos herdeiros, por danos morais, € 20 000 para o cônjuge com menos de 25 anos de casamento, e € 15 000 para o filho com idade menor ou igual a 25 anos. XI - No entanto, o preâmbulo do diploma é claro, ao esclarecer que o mesmo não se propõe a fixação definitiva dos valores indemnizatórios, mas “um conjunto de regras e princípios que permitam agilizar a apresentação de propostas razoáveis”; por isso é que o n.º 2 do art. 1.º da Portaria diz que “As disposições da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos”. Seguiu este entendimento v. g. o acórdão deste STJ de 29-10-08, Proc. n.º 3374/08 3.ª, que considerou no caso “ilegítimo pretender a redução dos valores fixados pelas instâncias à luz dessa portaria”. XII - Por certo que o julgamento segundo a equidade não significa arbitrariedade, antes um meio de correcção do direito, para que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto: como se disse no acórdão do STJ de 05-11-2008, Proc. n.º 3266/08 -3.ª, equidade é “expressão da justiça do caso concreto, consistindo em atender ao condicionalismo de cada situação”. XIII - A recorrente usou uma motivação no recurso para a Relação e, ignorando aparentemente tudo quanto esta veio dizer, usou ipsis verbis a mesma motivação no recurso que agora interpôs para o STJ e as conclusões do recurso para este Supremo Tribunal também nada acrescentam com o mínimo relevo em relação às formuladas no outro recurso. XIV - A Relação negou provimento ao recurso por não acolher a argumentação da recorrente. Mesmo que a demandada insista na validade da sua argumentação, tem que ter em conta que agora recorre da decisão da Relação e por isso é esta que tem que impugnar. Se recorre, tem ao menos que tentar demonstrar, onde e porque é que a decisão de 2.ª instância andou mal. Ao reeditar a motivação apresentada antes, do recurso da decisão de 1.ª instância, a recorrente não especifica os fundamentos do recurso, desta feita para este STJ, como lhe impõe o art. 412.º, n.º 1, do CPP. No fundo, fica-se sem saber porque é que discorda da decisão recorrida, e já que a ela se não refere, tudo se passa como se a ignorasse (cf. acórdão do STJ de 12-05-2005, Proc. n.º 657/05 -5.ª), o que implica a rejeição do recurso – arts. 412.º, n.º 1, 414.º, nº 2, e 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP.
Proc. n.º 1962/08 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
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