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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 27-01-2009
 Aplicação da lei processual penal no tempo Admissibilidade de recurso Direitos de defesa Competência do Supremo Tribunal de Justiça Homicídio Tentativa Medida da pena Prevenção geral Prevenção especial Suspensão da execução da pena Juízo de prog
I -O STJ vem defendendo, a uma só voz, que a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido; com efeito, esta é a posição que melhor se coaduna com a regra de que a lei processual é de aplicação imediata, salvo quando da sua aplicabilidade possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa (art. 5.º, n.ºs 1 e 2, al. a), do CPP).
II - No caso, a decisão de 1.ª instância foi proferida ainda no domínio da versão anterior do CPP, segundo a qual eram recorríveis os acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, por crime a que fosse aplicável pena de prisão superior a 8 anos [art. 400.º, n.º 1, al. f)], independentemente da pena efectivamente aplicada. Por isso, por aplicação das regras processuais vigentes ao tempo da condenação na 1.ª instância, na consideração, também, de que à infracção em causa correspondia (já então, como no regime actual substantivo) uma moldura penal cujo limite máximo se situava nos 10 anos e 8 meses de prisão, tem-se por recorrível a decisão recorrida.
III - “…A pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto (...) alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” – Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, pág. 570.
IV - “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” (mesma obra, pág. seguinte).
V - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
VI - “Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...” (mesma obra, pág. 575).
VII - Deve, pois, a pena, em tese geral, respeitar o limite da culpa e, dessa forma, preservar a dignidade humana; trata-se de orientações doutrinais que estão espelhadas na lei (art. 40.º do CP).
VIII - O art. 50.º do CP consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.
IX - Esta é, como observa Maia Gonçalves (Código Penal Português, 18.ª Edição, pág. 215), “…uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico…”, cujo pressuposto material consiste, no dizer de Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Univ. Católica Editora, 2008, pág. 195) na “… adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial (…)”, pelo que, prossegue, “…não pode o tribunal afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido”.
X - Para esse efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição; este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização (em liberdade) do arguido.
XI - O tribunal deverá correr um “risco prudente”, uma vez que, como sugestivamente já há muito anotaram Leal-Henriques e Simas Santos, em anotação ao art. 50.º do CP, “…esperança não é seguramente certeza…”, mas, subsistindo dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, então, deverá a prognose ser negativa.
XII - Quanto ao crime de homicídio voluntário há exigências de prevenção geral que, de um modo geral, desaconselham a aplicação de uma pena de substituição, pois a mesma não irá realizar, em princípio, de forma adequada e suficiente esta finalidade primordial da punição. Efectivamente, a comunidade terá dificuldade em aceitar que o agente de um homicídio voluntário, ainda que de crime tentado, venha a sofrer uma pena não privativa de liberdade.
XIII - Daí que só em casos absolutamente excepcionais se deva fazer uso desse tipo de clemência para crime de homicídio, ainda que a pena a aplicar se deva quedar abaixo dos 5 anos de prisão, nomeadamente, por a morte não ter ocorrido.
Proc. n.º 3854/08 -5.ª Secção Soares Ramos (relator) Simas Santos