ACSTJ de 22-01-2009
Pedido de indemnização civil Acidente de viação Colisão de veículos Responsabilidade pelo risco Indemnização Danos patrimoniais Danos não patrimoniais Nexo de causalidade Incapacidade para o trabalho Danos futuros Seguradora Seguro
I -Num caso de colisão de dois veículos em que não se prova a culpa de nenhum dos condutores, estando em causa a responsabilidade civil pelos danos causados na esfera jurídica de terceiro (responsabilidade civil extracontratual), actua o princípio da responsabilidade pelo risco, que constitui uma excepção ao princípio da responsabilidade com base na culpa, intervindo aquele nos casos especialmente previstos (art. 483.º, n.º 2, do CC). II - Esta última responsabilidade funda-se na ocorrência de um facto ilícito não culposo ou simplesmente na prática de um facto stricto sensu (isto é, não ilícito), do qual derive um dano reparável na esfera jurídica de terceiro, existindo um nexo de causalidade entre o facto e odano. III - Este nexo de causalidade vem a traduzir-se na relação que intercede entre o facto e o dano em termos de causalidade adequada, isto é, o dano tem de ter promanado do facto do agente como uma consequência adequada, o que significa que o facto tem de ser idóneo a produzir o resultado danoso, não bastando que tenha sido uma simples conditio sine qua non. Na eclosão de um dano pode ter intervindo um acervo de causas que acabaram por produzi-lo, mas de entre esse complexo de circunstâncias, algumas podem ser consideradas como essenciais à verificação do dano e outras, como meramente acidentais. As primeiras são essenciais, porque sem elas o resultado não se teria produzido, e as outras são acidentais, porque são indiferentes para a ocorrência de tal resultado, na medida em que não aptas, em termos adequados, para o seu desencadeamento. IV - É esta a solução consagrada legalmente e decorrente do disposto no art. 563.º do CC: «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão». Ou seja, o facto tem de ser uma causa provável ou adequada do dano. V - A responsabilidade pelo risco, constituindo uma excepção ao princípio da culpa, está especialmente regulada, no que diz respeito a acidentes de viação, nos arts. 503.º a 508.º do CC. No caso de colisão de veículos, rege o art. 506.º. VI-No caso sub judice, estamos em face de um veículo automóvel ligeiro de passageiros e de um motociclo. Em princípio o veículo automóvel haveria de contribuir com maior proporção de risco para a produção do acidente, dado o seu maior volume, maior peso e maior dimensão. Todavia, será de considerar no caso, que ambos os veículos contribuíram em igual medida para o risco de produção do acidente. Isto, porque o veículo automóvel, não obstante as características apontadas, estava a iniciar a manobra de mudança de direcção para a esquerda, depois de se ter imobilizado no eixo da via, e o motociclo vinha em movimento, a uma velocidade que rondava os 60 km por hora. Estas circunstâncias fazem aumentar o risco deste veículo, aproximando-o, assim, do risco representado pelo veículo automóvel. Consequentemente, as responsabilidades pelos danos produzidos têm de ser repartidas em proporção idêntica para ambos os intervenientes, ou seja, 50% para cada um deles. VII - Os pressupostos da obrigação de indemnizar com base na responsabilidade objectiva ou pelo risco estão presentes no caso, pois da colisão de veículos resultaram para o demandante danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que são consequência adequada daquela, não se tendo apurado a culpa de nenhum dos condutores. VIII - Considerando que: -em consequência do acidente, o demandante sofreu lesões corporais a nível da perna direita, que lhe determinaram incapacidade temporária geral parcial e incapacidade temporária profissional total, por um período de 122 dias; -o demandante tinha a categoria profissional de operador não especializado, auferindo a quantia de € 457,15 mensais, a título de vencimento base, acrescida de 55% a título de subsídio de turno; o demandante tem direito, a título de perdas salariais mensais ilíquidas, proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal relativos aos 122 dias de incapacidade, a 50% da quantia de € 3542,92 que reclama, o que corresponde a € 1771,46. IX - Tendo em atenção que: -o demandante despendeu a quantia de € 755,60, com despesas médicas, medicamentos, tratamentos de fisioterapia, exames médicos e radiológicos, episódios de urgência e consultas médicas; -em consequência dos factos, ficaram danificadas as calças que o mesmo vestia, no valor de € 29,40; tem direito a ser indemnizado em 50% dessas quantias que desembolsou, ou seja, à quantia de € 392,50. X - No que respeita a danos futuros, certa jurisprudência do STJ, de que é exemplo o Ac. de 18-01-79 (BMJ 83.º, pág. 275), tem considerado que a indemnização por danos futuros deve ser «calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até ao final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação correspondente ao juro anual». Este critério seria, no entanto, corrigido com recurso à equidade. XI - As disposições legais aplicáveis à matéria são as decorrentes dos arts. 562.º a 566.º do CC. O princípio básico vem enunciado no primeiro dos arts. referidos, nos termos do qual «quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação». «Na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior» (n.º 2 do art. 564.º). Sendo a indemnização fixada em dinheiro, dado que a reconstituição natural não é possível, tal indemnização «tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos» (art. 566.º, n.º 2). No caso de não poder ser averiguado o valor exacto dos danos, «o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados» (n.º 3 do mesmo art. 566.º). XII - O critério fundamental, no caso de danos futuros, concretiza-se, portanto, pelo recurso à equidade, mais do que pela utilização de critérios financeiros e fórmulas matemáticas. XIII - A indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho. XIV - Considerando que o demandante: -apresenta sequelas que são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais e que, sendo compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, implicam esforços suplementares; -ficou com uma incapacidade permanente geral fixável em 4%; -auferia, a título de vencimento mensal ilíquido, à data do acidente, a quantia de € 708,58, o que perfaz o rendimento anual (integrando os subsídios de férias e de Natal) de € 9920,12; -a expectativa de vida activa, a contar da data do acidente, em que tinha 19 anos de idade, é de 51 anos; a quantia reclamada (€ 16 000) peca por excesso, sobretudo tendo em conta que o demandante consegue exercer a sua actividade profissional habitual, embora com esforço suplementar e que parte desses danos reveste simultaneamente natureza não patrimonial, tendo o demandante pedido também o seu ressarcimento; o quantitativo indemnizatório mais ajustado em termos de equidade, será de € 10 000, sendo certo que o demandante só terá direito, nos termos da repartição de responsabilidades que foi fixada, a 50% daquela quantia, ou seja, a € 5000. XV - Dispõe o art. 496.º, n.º 1, do CC que, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito». O montante da indemnização é fixado equitativamente (ainda nos termos do referido n.º 3), atendendo às circunstâncias referidas no art. 494.º do CC. Este manda atender ao grau de culpa – havendo, por consequência, que ter em conta a forma de culpa (dolosa ou negligente) –, à situação económica do lesante e do lesado e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem. XVI - No caso, os danos não patrimoniais merecem, pela sua relevância, a protecção do direito. Simplesmente a sua quantificação, tendo de atender a diversos factores, não tem, evidentemente que levar em conta a culpa de nenhum dos intervenientes, por a responsabilidade pelo risco se basear, justamente, na ausência de culpa. XVII - Há que atender: -à permanência do demandante no hospital (por um curto período de duas horas), as dores que sofreu em consequência do embate e as limitações de que passou a padecer, bem como as sequelas, que lhe provocam sofrimento; -quanto ao aspecto económico, o demandante é um trabalhador de modestos rendimentos e a demandada Companhia de Seguros é uma empresa comercial que se dedica à actividade de seguros, gozando de folgada capacidade económica; nesta perspectiva, mostra-se ajustada a quantia de € 8000, tendo o demandante apenas direito à quantia de € 4000. XVIII - O demandante tem direito a receber da demandada Companhia de Seguros a quantia de € 7163,96, a título de danos patrimoniais e a quantia de € 4000, a título de danos não patrimoniais, quantias estas que se encontram dentro dos limites máximos fixados pelo n.º 1 do art. 508.º do CC, correspondentes ao capital mínimo do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (€ 600 000 por sinistro para danos corporais e materiais, nos termos do art. 1.º do DL 301/2001, de 23-11, vigente à data dos factos).
Proc. n.º 2499/08 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor
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