ACSTJ de 14-01-2009
Concurso de infracções Cúmulo por arrastamento Pena única Reformatio in pejus Desobediência Audiência de julgamento Falta Arguido Processo sumário Aplicação da lei penal no tempo Despenalização Cúmulo jurídico Suspensão da execução da pena Ca
I -Quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, havendo que ter em conta na ponderação da medida de tal pena, e em conjunto, os factos e a personalidade do arguido. E se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes da respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis aquelas regras, mesmo no caso de todos os crimes terem sido objecto, separadamente, de condenações transitadas em julgado. II - Só existe, assim, concurso de crimes, para efeito de unificação, quando as penas em que o agente foi condenado não se encontram extintas e os crimes a que se reportam tenham sido cometidos antes de ter transitado em julgado a condenação por qualquer um deles, respondendo a sucessão de penas aos restantes casos de concurso de crimes. III - E tem entendido o STJ, sem discrepância, que resulta directa e claramente dos arts. 77.º e 78.º do CP que, para a verificação de uma situação de concurso de infracções a punir por uma única pena, se exige, desde logo, que as várias infracções tenham, todas elas, sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas, isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infracção obsta a que, com essa infracção ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito. O trânsito em julgado de uma condenação penal é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois. IV - O cúmulo dito “por arrastamento”, não só contraria os pressupostos substantivos previstos no art. 77.º, n.º 1, do CP, como também ignora a relevância de uma condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido, quando relativamente aos crimes que se pretende abranger nesse cúmulo, uns são anteriores e outros posteriores a essa condenação, pelo que como tal, não deve ser aceite V -Face a este entendimento, importa ter em conta que é igualmente jurisprudência do STJ que, tornando-se necessário “desfazer” o cúmulo por arrastamento, indevidamente efectuado, há que ter em conta, se o recurso tiver sido interposto só pela defesa ou pelo MP no exclusivo interesse da defesa, a proibição da reformatio in pejus, ou seja, a pena única do cúmulo é o limite a ser respeitado pelos cúmulos que vierem a ser feitos. VI - Para que o crime de desobediência do art. 348.º, n.º 1, do CP se verifique, torna-se necessária a existência de uma disposição legal que expressamente comine a punição da desobediência [al. a)] ou, na ausência de disposição legal, uma ordem substancial e formalmente legítima, provinda de autoridade competente para a emitir [al. b)]. VII - Com a Lei 48/2007, de 29-08, foi eliminada do CPP a cominação legal de crime de desobediência em caso de não comparência do arguido a audiência em processo sumário (art. 387.º, n.º 2, do CPP), que foi substituída pela advertência de que aquela será realizada, mesmo que o arguido não compareça, sendo representado por defensor. VIII - E se, no domínio da redacção anterior à Lei 48/2007, se entendia que não era aplicável ao caso o disposto na al. b) do n.º 1 do art. 348.º do CP – pois a legitimação do crime de desobediência decorria da al. a) daquela disposição –, então também não é defensável que a eliminação da cominação pelo referido diploma não afasta o recurso àquela al. b). Por isso, se qualquer autoridade emitisse uma ordem, suprindo a omissão legal, notificando o arguido para comparecer à audiência sob cominação do crime de desobediência, tal ordem não seria substancialmente legítima, porque não se encontrava legalmente tutelada, apesar da autoridade ser formalmente competente para a emitir. IX - Assim, inexiste agora crime de desobediência por falta de comparência de arguido notificado a audiência de julgamento em processo sumário. X - Tendo havido descriminalização do crime de desobediência previsto no art. 387.º, n.º 2, do CPP, na redacção anterior à reforma de 2007, é de aplicar retroactivamente a lei penal mais favorável (art. 2.º, n.º 2, do CP) que, embora processualmente localizada, é materialmente substantiva, integrando-se no âmbito doutrinalmente considerado das normas processuais substantivas. XI - É legal a eliminação da suspensão da execução de pena anterior em que o arguido tinha sido condenado por ter sido cumulada posteriormente com outra ou outras. XII - Neste caso não existe violação de caso julgado, por a suspensão o não formar de forma perfeita, já que a suspensão pode vir a ser alterada, quer no respectivo condicionalismo, quer na sua própria existência se ocorrerem os motivos legais referidos nos arts. 50.° e 51.° ou 78.º e 79.º do CP.
Proc. n.º 3975/08 -5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Santos Carvalho
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