Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 14-01-2009
 Injúria Processo respeitante a magistrado Bem jurídico protegido Honra Consideração Dolo Crimes de resultado Crimes de perigo
I -Mostram-se provados, entre outros, os seguintes factos: -“arguido e assistente são casados, estando à data dos factos pendente acção de divórcio litigioso entre ambos; -há anos que se separaram (…) e desde 2006 que o arguido mantém uma relação afectiva com MH, facto de que deu conhecimento à assistente; -em … o arguido havia combinado sair com MH e foi buscá-la a casa (..), tendo-se apercebido que havia um outro carro parado no local, estando no seu interior a assistente e FP; -o arguido ficou revoltado por ter achado que andava a ser espiado, e estacionou o seu automóvel, no mesmo sentido do carro de FP; -dirigiu-se a pé ao automóvel de FP e disse de frente para esta e para a mulher que estava ao lado, que a assistente andava a tirar coisas de casa dele, referindo-se a um álbum de fotografias (…), bem como a umas molduras com fotografias dos filhos, uma das quais feita concretamente pela filha, e oferecida ao arguido por ocasião do dia do pai, objectos que entendia serem só seus, e ainda a uns certificados de aforro de que era o único titular, embora com autorização de movimentação facultada à assistente; -os certificados de aforro foram efectivamente resgatados pela assistente e num montante total de 47 027,59 euros que a assistente fez seus; -mais disse o arguido que não fazia mal nenhum à assistente que fosse trabalhar, em vez de andar permanentemente de baixa, que vivia à custa dele porque lhe pagava a pensão dos filhos, e todas as despesas com a casa onde vivem, como sejam a água a luz e o gás, o que chegava a cerca de 2000 euros todos os meses; -afirmou que a assistente andou a mandar constantemente mensagens para o telemóvel de MH, e que a filha desta podia sofrer com esse comportamento já que andava em tratamento psiquiátrico; -do telemóvel com o nº ... pertença da assistente, foram enviadas dezenas de mensagens para o telemóvel de MH, cujo nº é …; -o arguido disse ainda que aquilo que a assistente e FP andavam a fazer era crime; -o arguido agiu do modo descrito unicamente para ver se a assistente parava de o importunar, e revoltado com o facto de sentir que andava a ser vigiado, tanto por ela como pela FP, numa altura em que as relações do casal composto pelo arguido e assistente eram muito tensas; -quando saiu do seu carro e se abeirou do de FP, o arguido dirigiu-se a esta, dizendo-lhe que achava de muito mau gosto que se prestasse a um serviço daqueles, tendo ela respondido que estava ali só porque a assistente lhe pedira, mas sem saber bem porquê; -depois de o arguido ter dito o que ficou acima assinalado dirigiu-se a uma esquadra da Polícia onde apresentou queixa contra a assistente, vindo a desistir dessa queixa posteriormente”.
II - O bem jurídico protegido com o art. 181.º do CP é a honra e consideração de outra pessoa: trata-se no fundo do direito à fama, reconhecimento e respeito pessoal e social que todas as pessoas têm que ter.
III - Entende-se por honra, «aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale; refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral», e por consideração «aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração ou ao desprezo público; refere-se ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social, ou ao menos de não o julgar um valor negativo» – Beleza dos Santos, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e injúria, RLJ Ano 92.º, n.º 3152, págs. 167/168; cf., também, Ac. do STJ de 30-04-2008, Proc. n.º 4817/07 -5.ª, com os mesmos intervenientes processuais.
IV - Segundo afirma Faria e Costa (Comentário Conimbricense, pág. 630), o carácter ofensivo de certas palavras tem de ser visto num “contexto situacional” e se o significante das palavras permanece intocado, o seu significado varia consoante os contextos.
V - O elemento subjectivo deste ilícito vem a traduzir-se na vontade livre de praticar o acto com a consciência de que as expressões utilizadas ofendem a honra e consideração alheias, ou pelo menos são aptas a causar aquela ofensa, e que tal acto é proibido por lei.
VI - Não é necessário que tais expressões atinjam efectivamente a honra e consideração da pessoa visada, produzindo um dano de resultado, bastando a susceptibilidade dessas expressões para ofender. É que o crime em causa é um crime de perigo, bastando a idoneidade da ofensa para produzir o dano – cf. Faria e Costa e Beleza dos Santos in, ob. cits.
VII - Não se encontra preenchido, quer o elemento objectivo, quer o subjectivo do crime de injúrias, uma vez que as expressões usadas pelo arguido, no condicionalismo apontado, relativas a factos imputados à assistente de que ele não tinha dúvida, reconduzem-se a uma acesa discussão entre o casal desavindo, e não têm o grau de ofensividade que a prática do crime de injúrias requer; por outro lado, o propósito com que o arguido agiu não foi o de ofender, antes foi essencialmente correctivo, com o fito de demover a esposa daquilo que considerou ser uma autêntica perseguição à sua pessoa. De sublinhar que o arguido é que se dirigiu de imediato à Polícia para fazer queixa da assistente, porque se sentiu ofendido.
Proc. n.º 3056/08 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos Simas Santos