Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 08-01-2009
 Perda de bens a favor do Estado Acusação Sentença criminal Arma Veículo Nexo de causalidade Princípio da proporcionalidade Nulidade da sentença Fundamentação de direito Fundamentação de facto Reenvio do processo Renovação da prova Revogação C
I -A questão da perda a favor do Estado, dos objectos apreendidos, deverá ser aferida, desde logo, a partir da acusação deduzida.
II - No caso presente: -na acusação não se faz a mínima referência à perigosidade de quaisquer objectos utilizados no cometimento do crime, e também se não requer, coerentemente, o seu perdimento; -na decisão recorrida também nenhuma menção existe sobre a natureza dos objectos apreendidos ou as circunstâncias do caso, as quais pudessem responder pela perigosidade de tais bens apreendidos, perigosidade legitimadora da declaração da sua perda a favor do Estado; acresce que, em matéria de fundamentação, designadamente de direito, o acórdão é completamente omisso sobre este aspecto; no entanto, foi decidido declarar “(…) perdidas a favor do Estado todas as coisas apreendidas, com comunicação à Polícia de Segurança Pública a respeito das armas e comunicação ao Património do Estado a respeito do automóvel”.
III - O facto de se estar perante uma medida autónoma, de natureza essencialmente preventiva, não implica que a perda dos instrumentos e produtos do crime opere automaticamente (contrariamente ao que ocorre com a disciplina do art. 111.º do CP), antes se exige uma prévia verificação, e declaração de perigosidade, mínimas.
IV - Embora a declaração de perda de armas usadas na prática de crimes se realize nos termos gerais (cf. arts. 78.º, 80.º e 94.º, n.º 1, da Lei 5/2006, de 23-02), as mesmas podem ser legitimamente consideradas, sem mais, como oferecendo risco sério de utilização no cometimento de novos crimes. Tal resulta logo da própria natureza do objecto em questão, do facto de terem sido usadas concretamente na prática do crime e, obviamente, da falta de “licença ou autorização em forma legal” dos arguidos, para o uso das armas apreendidas. Nada há pois a objectar a que sejam declaradas perdidas a favor do Estado.
V - No tocante à declaração de perda do veículo Seat Ibiza, de matrícula …, que o arguido V comprara, dos telemóveis de cada um dos dois arguidos ou das peças de roupa apreendidas, essa declaração carece de fundamento bastante.
VI - Na matéria de facto dada como provada, inexiste qualquer referência aos telemóveis ou à roupa. Assim, nem sequer é possível estabelecer um relacionamento entre tais objectos e os crimes cometidos.
VII - A respeito do automóvel, só se diz que “O arguido V dirigiu-se também para esse local, tal como acordado entre ambos, usando para o efeito o seu veículo automóvel “Seat Ibiza” (…), aguardando a chegada do táxi ao local”. Daí a considerar-se que estão preenchidos todos os pressupostos de que o art. 109.º do CP faz depender a declaração de perda, de objectos usados na prática do crime e especificamente do dito veículo, vai uma distância que se não vê como colmatar.
VIII - Daqui decorre que o acórdão recorrido é nulo na parte em que declarou perdidos a favor do Estado o automóvel Seat Ibiza, de matrícula …, os telemóveis e as peças de roupa apreendidas, não só porque se omitiu qualquer fundamento para tanto, à luz dos arts. 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, como porque, caso se tivesse procedido a tal fundamentação, se teria esbarrado com a nulidade, desta feita da al. b), do mesmo art. 379.º, n.º 1, do CPP.
IX - Se os autos fornecem desde já elementos suficientes para que se possa considerar altamente remota, a eventualidade de se fazer prova em nova audiência de julgamento, da perigosidade dos objectos em foco, para efeitos de declaração de perda a favor do Estado, então importa considerar a inutilidade do reenvio dos autos à 1.ª instância para novo julgamento. Ao abrigo do art. 380.º, n.º 2, do CPP, deverá corrigir-se a sentença recorrida, revogando-se desde já a decisão de perda a favor do Estado dos objectos apreendidos, à excepção das armas, com a consequente devolução desses bens aos arguidos seus donos.
Proc. n.º 2292/08 -5.ª Secção Souto Moura (relator) ** Soares Ramos