Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-01-2009
 Repetição da motivação Rejeição de recurso Admissibilidade de recurso Aplicação da lei processual penal no tempo Manifesta improcedência Competência do Supremo Tribunal de Justiça Livre apreciação da prova Homicídio qualificado atípico Cônjuge Ap
I -Sendo os argumentos utilizados pelo recorrente no recurso para o STJ na sua esmagadora maioria exactamente os mesmos que foram dirigidos ao primeiro acórdão (no recurso para a Relação), tal significa que, em rigor, o recorrente não impugna o acórdão da Relação, fazendo tábua rasa do aí decidido, esquecendo-se de que a decisão agora em exame é esta e não a da 1.ª instância.
II - Para uma corrente jurisprudencial, o recurso nestas condições é de rejeitar, por carência de motivação – cf. os Acs. do STJ de 14-11-2002, Proc. n.º 3092 -5.ª; de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 22-09-2004, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 158; de 24-01-2007, Proc. n.º 4812/07 -3.ª; de 12-04-2007, Procs. n.ºs 255/07 -5.ª e 516/07 -5.ª; e de 02-102008, Proc. n.º 4725/07 -5.ª.
III - Em sentido oposto se pronunciaram, v.g., os Acs. do STJ de 10-10-2007, Procs. n.ºs 3315/07 -3.ª e 2684/07 -3.ª; de 17-10-2007, Proc. n.º 3265/07 -3.ª; de 17-04-2008, Procs. n.ºs 677/08 -3.ª e 823/08 -3.ª; e de 22-10-2008, Proc. n.º 3274/08 -3.ª.
IV - Acolhendo-se a segunda orientação (e revendo-se a posição assumida nos Acs. de 10-102007, Proc. n.º 3197/07, e de 12-03-2008, Proc. n.º 112/08), por a repetição/renovação de motivação não dever ser equiparada à sua falta e não estar prevista a possibilidade de rejeição de recurso para os casos em que o recorrente se limita a repetir a argumentação já apresentada no recurso interposto para o Tribunal da Relação, entende-se não ser de rejeitar o recurso por este motivo.
V - A propósito da questão da aplicação do direito intertemporal, relativamente à lei processual aplicável no que tange a recorribilidade, as Secções Criminais deste Supremo Tribunal convergiram para uma solução de compromisso, expressa no Ac. de 29-05-2008, Proc. n.º 1313/08 -5.ª, que, no fulcro, se reconduz à afirmação de que «a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido».
VI - A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto direc-tamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida – cf. Ac. do STJ, de 22-11-2006, Proc. n.º 4084/06 -3.ª.
VII - A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal é irrelevante, de acordo com jurisprudência há muito firmada, sendo que a deficiente apreciação da prova produzida é matéria que escapa aos poderes de cognição do STJ.
VIII - A impossibilidade de este Tribunal sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência do recurso neste segmento, que assim tem um objecto impossível, devendo ser rejeitado, nos termos do art. 420.º, n.º 1, do CPP, preceito que, nesta perspectiva, não padece de inconstitucionalidade – cf. Acs. do TC n.ºs 352/98, de 12-05-1998, e 165/99, de 10-03-1999.
IX - A doutrina e a maioria da jurisprudência nunca consideraram que a relação conjugal pudesse ser encarada como abrangida pela al. a) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
X - A nova formulação deste preceito [ao qual a Lei 59/2007, de 04-09, aditou a circunstância qualificativa que passou a integrar a sua al. b) – praticar o facto contra cônjuge, excônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau] vem consagrar a inserção, de forma autónoma, no quadro das situações padrão, do conjugicídio e situações paralelas, para além de outras, o que se justificará atendendo à evolução legislativa, que tem tido em vista o fenómeno da violência doméstica (conjugal), da violência familiar e dos maus tratos familiares, como mais especificamente ocorre com o Anexo II – Exposição de Motivos Relativa ao Projecto de Recomendação Sobre a Violência no Seio da Família (elaborada pelo Comité Restrito de Peritos Sobre a Violência na Sociedade Moderna, do Conselho da Europa), aprovado na 33.ª Sessão Plenária do Comité Director para os Problemas Criminais (BMJ 335.º/5); a Lei 61/91, de 13-08; a Resolução da AR 31/99, de 25-03 (DR I-A, de 14-04-1999); a Resolução do Conselho de Ministros 55/99, de 27-05 (DR I-B, de 15-06-1999), aprovando o Plano Nacional Contra a Violência Doméstica; a alteração ao CP, com a nova redacção do art. 152.º, e ao CPP, com a reformulação dos seus arts. 281.º e 282.º (Lei 7/2000, de 27-05); o I Relatório Intercalar de Acompanhamento do Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (Maio de 2000); a Lei 7/2001, de 11-05, definindo medidas de protecção para as situações de união de facto; a Resolução do Conselho de Ministros 88/2003 (DR I-B, de 07-072003), aprovando o II Plano Nacional Contra a Violência Doméstica; a Resolução da AR 17/2007 (DR I, de 26-04-2007) sobre a iniciativa “Parlamentos unidos para combater a violência doméstica contra as mulheres”; a Resolução do Conselho de Ministros 82/2007, de 06-06-2007 (DR I, de 22-06-2007), aprovando o II Plano Nacional para a Igualdade – Cidadania e Género (2007-2010); a Resolução do Conselho de Ministros 83/2007, de 0606-2007 (DR I, de 22-06-2007), aprovando o III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica; e a Lei 51/2007, de 31-08, que define os objectivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2007-2009, em cumprimento da Lei 17/2006, de 2305, que aprova a Lei Quadro da Política Criminal.
XI - Tal agravativa será de ter em conta apenas para o futuro, atento o princípio ínsito no comando constitucional expresso no art. 29.º, n.º 4, da CRP e concretizado nos arts. 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 4, do CP.
XII - A jurisprudência do STJ tem mantido uma interpretação do tipo do art. 132.º como sendo baseado estritamente na culpa mais grave revelada pelo agente, tendo como fundamento o facto de este revelar especial censurabilidade ou perversidade no seu comportamento.
XIII - É entendimento uniforme deste Supremo Tribunal o de que as circunstâncias previstas no n.º 2 do art. 132.º do CP, os chamados exemplos padrão, são meramente exemplificativas, não funcionando automaticamente, e devem ser compreendidas enquanto elementos da culpa.
XIV - E a jurisprudência deste STJ tem defendido a possibilidade de configuração, na ausência de qualquer dos exemplos padrão, de crime de homicídio qualificado atípico, com formulações mais ou menos exigentes.
XV - Um caso especialmente grave pode ser admitido como incluso no critério orientador ou cláusula geral da especial censurabilidade ou perversidade quando a gravidade do facto equivalha à dos casos mencionados nos exemplos típicos, devendo o julgador orientar-se a partir dos sinais fornecidos na exemplificação da norma constante de cada alínea, ou seja, perspectivar os factos através das diversas als. do n.º 2 do art. 132.º e, através da ponderação do pleno das circunstâncias enformadoras do facto e da personalidade do agente, definida que seja a imagem global do facto, averiguar e avaliar se se está ou não perante um especial e acentuado desvalor de atitude, que se encontra dentro das fronteiras marcadas pela estrutura de sentido que modela o exemplo, ou se estamos perante circunstâncias de natureza análoga, paralela ou equivalente, que exprimam um grau de gravidade e possuam uma estrutura valorativa correspondente à imagem de um dos exemplos padrão, que marquem uma diferença, distanciamento e dissociação, relativamente ao padrão normal de actuação, ao tipo matriz, no sentido de um maior ou acentuado desvalor de atitude, na forma de especial censurabilidade ou perversidade, e que possa, por isso, ser valorada em termos de conformar especial juízo de censura e especial tipo de culpa, agravada.
XVI - Resultando da matéria de facto provada que: -o arguido era casado com a vítima desde Setembro de 2004, tendo convivido maritalmente um com o outro desde 1996, tendo então, cada um, 2 filhos de anteriores casamentos, e tendo tido 1 filho comum, nascido em 04-04-1998, que à data dos factos tinha 8 anos de idade; -nos últimos meses a relação começou a degradar-se, mormente, a partir de Abril/Maio de 2006, altura em que o arguido iniciou uma relação extraconjugal, manifestando a intenção de se divorciar; -pouco tempo após a mulher encetou relação extramatrimonial e comunicou ao marido o propósito de se divorciar; -a situação agravou-se, sendo frequentes as discussões e agressões, que não tinham um sentido só, degradando-se a relação ao ponto de o menor ter sido institucionalizado em Setembro, ficando de seguida aos cuidados da irmã mais velha; -tendo o arguido arranjado um novo emprego como caseiro, a mulher acabou por ir com ele, encetando o arguido nova ocupação profissional em 02-12-2006; -dois dias depois, após uma acesa discussão relativa à situação actual em confronto com a anterior, o arguido muniu-se de um machado, com o qual agrediu na cabeça por várias vezes a mulher, causando várias fracturas com afundamento ósseo, sem que aquela tivesse tido hipótese de se defender ou de fugir; o apurado comportamento do arguido, não substanciando nenhuma das situações exemplares enunciadas nas (à data dos factos) onze als. do n.º 2 do art. 132.º do CP, revela completa insensibilidade e mesmo desprezo pela vida da companheira e esposa de anos, acentuado desvalor da acção e da conduta, estando, com a forma de cometimento do crime, documentadas no facto qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas, sendo de concluir estar preenchido o tipo de crime de homicídio qualificado p. e p. pelo art. 132.º, n.º 1, do CP.
Proc. n.º 2387/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis