ACSTJ de 21-01-2009
Omissão de pronúncia Objecto do processo Nulidade da sentença Abuso de confiança Pedido de indemnização civil Absolvição Responsabilidade civil extracontratual Interdição Tutela Certificados de aforro Ilicitude Interesses legalmente tutelados
I -A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.º, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer, independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. II - As matérias que são submetidas ao tribunal constituem o thema decidendum, como complexo de problemas concretos sobre que é chamado a pronunciar-se, e devem constituir questões específicas que o tribunal deve, como tal, abordar e resolver, e não razões, no sentido de argumentos, opiniões e doutrinas expostas pelos interessados na apresentação das respectivas posições (cf., v.g., os Acs. do STJ de 30-11-2005, Proc. n.º 2237/05, de 21-122005, Proc. n.º 4642/02, e de 27-04-2006, Proc. n.º 1287/06). III - A “pronúncia” cuja “omissão” determina a consequência prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não aos motivos ou às razões alegadas. IV - Tendo em conta que a questão proposta ao tribunal em sede de recurso era a da existência, ou não, dos elementos constitutivos do tipo legal de crime de abuso de confiança e, em função de tal comprovação, a condenação indemnizatória em sede de responsabilidade civil extracontratual, e que o tribunal recorrido se pronunciou expressamente sobre essa matéria, afirmando que, inexistindo vícios a minarem a decisão recorrida, era a mesma confirmada com a sequente absolvição em relação ao pedido cível formulado, não existiu qualquer omissão de pronúncia. V - Tendo resultado provado que «a arguida, ao levantar as importâncias relativas aos certificados de aforro, nos quais beneficiava da cláusula de movimentação, procedeu de acordo com as indicações do Padre António que lhe disse várias vezes – em datas não apuradas mas anteriores a 16 de Outubro de 1997 – que se lhe acontecesse alguma coisa, a arguida deveria levantar o dinheiro correspondente aos certificados de aforro, pois era seu, considerando tal como uma forma de pagamento pelos anos de trabalho» e que «durante os 28 anos em que desempenhou a sua actividade profissional a arguida nunca recebeu qualquer salário do Padre António», a pretensão indemnizatória do recorrente tem um objectivo diametralmente oposto daquilo que foi a vontade do interdito, violando a sua vontade, carecendo de razão no plano ético. VI - Essa alegação – de que o tribunal recorrido se deveria ter pronunciado sobre a responsabilidade civil extracontratual derivada dos institutos da interdição, tutela e regime dos títulos levantados, porquanto a mesma subsistiria como génese da pretensão indemnizatória, mesmo depois de afastada a responsabilidade criminal – carece também de razão no plano jurídico. VII - É que a responsabilidade civil por factos ilícitos pressupõe a existência de um acto ilícito consubstanciado na violação de um direito de outrem ou na infracção de norma destinada a proteger direitos alheios (art. 483.º do CC). VIII - Os interesses legalmente tutelados que, não constituindo direitos subjectivos, podem dar lugar a responsabilidade civil, são interesses comuns a um círculo limitado de pessoas e é à protecção desses interesses que as normas em causa se destinam, o que permite afirmar que o art. 483.º do CC não quis reportar-se à lesão de interesses que só reflexamente beneficiam da protecção legal: só a lesão de interesses legítimos, e não de interesses reflexos, pode dar origem a responsabilidade civil. IX - E do regime dos institutos a tutela, da interdição ou do levantamento dos títulos (certificados de aforro) não é possível inferir uma finalidade de protecção de um direito que se inscreva no património do recorrente: sendo certo que se demonstrou que a arguida tinha uma justificação juridicamente relevante para a sua actuação, igualmente é exacto que o regime de levantamento de certificados de aforro nada tem a ver com a pretensa tutela que assume aquele que se julga com direito ao montante por eles titulado; e o recorrente encontra-se fora do círculo de interesses e finalidades teleologicamente ligados às normas relativas aos institutos da tutela ou da interdição.
Proc. n.º 111/09 -3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
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