Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 21-01-2009
 Homicídio qualificado Culpa Especial censurabilidade Especial perversidade Imagem global do facto Frieza de ânimo Motivo fútil Parentesco
I -A qualificação do homicídio do art. 132.º do CP supõe a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelam «formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» (cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, págs. 27-28).
II - O modelo de construção do tipo qualificado – pelo especial tipo de culpa – através da enunciação do critério geral no n.º 1, moldado pela densificação através dos exemplos padrão constantes das diversas als. do n.º 2, não permitirá, por seu lado, salvo afectação do princípio da legalidade, «fazer um apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto [...] ou de uma situação valorativamente análoga» (cf. idem, pág. 28).
III - A decisão sobre a integração do crime de homicídio qualificado exige, pois, que se proceda à definição da imagem global do facto, de modo a logo aí detectar a particular forma de culpa que justifica a qualificação do homicídio, sem esquecer, na dimensão da integração diferencial, que o tipo geral de homicídio constitui já, por si mesmo, pela natureza e moldura penal aplicável, um crime de acentuada gravidade que protege o bem vida como valor essencial inerente à pessoa humana.
IV - Resultando da matéria de facto provada que: -o recorrente «dirigiu-se ao café [propriedade do seu pai] e, já no seu interior, pediu ao seu pai para o acompanhar à rua, utilizando o pretexto de que necessitavam falar»; -«[A vítima] anuiu ao pedido que lhe fora feito pelo arguido, seu filho, relativamente ao qual, apesar dos conflitos, sempre nutrira sentimentos de amor e carinho»; -«O [recorrente] saiu do estabelecimento, e sem interromper a sua marcha ou olhar para trás, dirigiu-se ao seu veículo e dali retirou a espingarda acima descrita que previamente municiara»; -«Acto contínuo, o [recorrente] empunhou a espingarda, virou-se, fitando de frente o seu pai e apontou a arma na direcção do mesmo, que agora se encontrava a cerca de 1 metro de distância, facto de que o arguido teve plena consciência»; -«De imediato, sem que [a vítima] tivesse possibilidade de se defender ou fugir do local, o arguido efectuou um disparo com a arma referida, atingindo aquele na zona do coração (tórax)»; -«Com a força do impacto do tiro [a vítima] rodopiou sobre si próprio, sendo que, neste momento, o [recorrente] desfechou um segundo disparo com a espingarda, atingindo o seu pai na zona lombar, lado direito, correspondente aos últimos arcos costais»; na leitura compreensiva dos factos provados, o contexto de conflito, de espaço e tempo, revela a persistência na reflexão sobre a intenção de matar, sangue-frio na execução, insensibilidade e indiferença na consideração de motivo que não é motivo, revelando a «imagem global do facto» «frieza de ânimo» e «motivo fútil» (al. j) do n.º 2 do art. 132.º do CP). V -Para além da verificação da al. a) do n.º 2 do art. 132.º (o arguido era filho da vítima), o referido complexo factual exterioriza uma acerbada censurabilidade que se manifesta pelas circunstâncias específicas da prática do crime (a arma já carregada; a convocação da vítima para um encontro no exterior do estabelecimento; o modo inesperado dos disparos a «sangue-frio» e a posterior insistência na consumação com um segundo disparo), de modo que, também por esta forma de acção, a especial censurabilidade e a exasperação da culpa estão projectadas nos factos.
Proc. n.º 4030/08 -3.ª Secção Henriques Gaspar (relator) Armindo Monteiro