Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 14-01-2009
 Concurso de infracções Sucessão de crimes Conhecimento superveniente Cúmulo jurídico Reformulação Pena única Fundamentação Imagem global do facto Fórmulas tabelares Nulidade da sentença
I -Uma pluralidade de infracções/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infracções tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infracções cometidos pelo mesmo arguido/agente).
II - Elemento relevante e fundamental para determinar a possibilidade de efectivação de cúmulo jurídico das penas é o trânsito em julgado da condenação pelo primeiro crime.
III - Na verdade, a jurisprudência mais recente e dominante deste STJ vai no sentido de que não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados uns antes e outros depois da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas.
IV - As regras dos arts. 77.º e 78.º do CP são aplicáveis, também, no caso de reformulação do cúmulo de penas.
V - Neste caso (como se lê no Ac. deste STJ de 30-01-2003, in CJSTJ, Ano XXVIII, tomo 1, pág. 177) as penas «readquirem a sua autonomia (…), por ter sobrevindo conhecimento de novas infracções a cumular, pelo que se torna necessário fazer novo uso da norma do art. 77.º, n.º 1, do Código Penal: determinar uma nova pena única em que são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
VI - Como refere Lobo Moutinho (in Da Unidade à Pluralidade de Crimes no Direito Penal Português, FDUC, pág. 1324), a formação da pena conjunta simboliza a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida que os foi praticando.
VII - A pena aplicada em concurso – como todas as penas -tem de ser fundamentada (cf. art. 205.º, n.º 1, da CRP), fundamentação essa que se traduz na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão (art. 97.º, n.º 5, do CPP).
VIII - É certo que a fundamentação dessa pena de concurso se afasta da prevista, em termos gerais, no art. 374.º, n.º 2, do CPP, tudo se resumindo a uma especial e imprescindível fundamentação, onde avultam, na fixação da pena unitária, a valoração, em conjunto, dos factos, enquanto “guia”, e a personalidade do agente, mas sem o rigor e a extensão pressupostos nos factores de fixação da pena previstos no art. 71.º do CP (cf. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, §§ 420 e 421).
IX - O conjunto dos factos dá a imagem global do facto, a grandeza ou medida da respectiva ilicitude. Na avaliação da personalidade do arguido procura averiguar-se se o facto global exprime ou revela uma tendência ou mesmo uma “carreira” criminosa ou uma simples pluriocasionalidade, sendo, naquele caso, a pena exacerbada e, neste caso, a pena mitigada.
X - A decisão que procede ao cúmulo jurídico das penas aplicadas em sentenças já transitadas em julgado, isto é, a decisão que determina e aplica a pena conjunta, englobadora de penas já definitivamente aplicadas, embora não esteja sujeita ao cumprimento preciso e rigoroso de todos os requisitos previstos no art. 374.º do CPP, deve dar a conhecer as razões concretas e específicas que determinaram a medida concreta da pena conjunta, isto é, que determinaram o quantum da pena única.
XI - Assim, sendo embora suficiente enumerar os crimes em concurso e as respectivas penas, com indicação das datas da sua prática, das condenações e do trânsito em julgado (tornando-se desnecessária a transcrição da enumeração exaustiva e completa dos factos provados e não provados constantes de cada uma das sentenças condenatórias aplicadoras das penas a cumular e da indicação e exame crítico das provas em que cada um dos julgadores se baseou para decidir em cada uma daquelas condenações, o que seria formalismo excessivo e desnecessário, além de moroso), atenta a finalidade da decisão em causa – efectivação do cúmulo jurídico de penas – e dado o critério legal que preside à determinação da pena única a aplicar (como atrás se disse, a consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente – art. 77.º, n.º 1, do CP), após a análise desses factores deve o julgador dar a conhecer as razões específicas que determinaram aquela pena única (concretamente aplicada).
XII - Não basta, pois, para correcta fundamentação da sentença, o uso de fórmulas tabelares, como o número, a natureza e a gravidade dos crimes, sem a indicação concreta dos elementos de facto que foram realmente tidos em consideração na realização do cúmulo jurídico.
XIII - Tendo em consideração que: -os factos provados transcritos no acórdão recorrido reportam-se tão-somente ao número, natureza e gravidade dos crimes cometidos pelo arguido (sem indicação da(s) data(s) do trânsito em julgado das respectivas sentenças condenatórias), à inexistência de confissão e de arrependimento e ao não ressarcimento dos lesados, tendo o tribunal concluído que «o(s) arguido(s) se dedica(m) desde há mais de uma década a crimes contra o património», e que «o(s) arguido(s) age(m) sempre de modo idêntico denotando, com a sua conduta, que a burla era o seu modo de vida»; -os factos provados constantes da decisão não permitem, só por si, retirar a conclusão de que a burla era o modo de vida do arguido, pois que esta assenta apenas no número e tipo de crimes por ele cometidos e no período temporal em que os mesmos foram praticados, nada se sabendo sobre as condições pessoais e económicas do arguido – designadamente se tinha emprego ou não, no caso afirmativo de que tipo e qual o rendimento que auferia, se tinha qualquer outro tipo de proventos, qual a composição do seu núcleo familiar, etc.; -apesar de na fundamentação do acórdão recorrido se dizer que foi considerado o teor do relatório social, não constam da matéria assente quais os concretos factos nele referidos, para se poder avaliar (no que respeita à personalidade do arguido) se o seu conjunto reflecte uma personalidade propensa ao crime ou é, antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade daquele, desconhecendo-se também em que medida e de que modo foram valorados e considerados os factos concretos constantes daquele relatório social; é de concluir que a decisão recorrida omitiu pronúncia sobre factos que permitiriam avaliar a gravidade global do comportamento delituoso do agente, enfermando, portanto, de nulidade resultante de deficiente fundamentação, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.
Proc. n.º 3974/08 -3.ª Secção Fernando Fróis (relator) Henriques Gaspar