ACSTJ de 07-01-2009
Cooperação judiciária internacional em matéria penal Convenção Europeia de Extradição Extradição Recusa
I -É pressuposto da recusa obrigatória de cooperação internacional prevista na al. a) do n.º 1 do art. 6.º do DL 144/99, de 31-08, o desrespeito pelas exigências da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e da Liberdades Fundamentais, de 04-11-1950, ou de outros instrumentos relevantes na matéria ratificados por Portugal que, pela Lei 65/78, de 13-10, aprovou para ratificação aquela Convenção assinada em Roma, a que opôs algumas reservas. II - As reservas, sejam elas de soberania, culturais, de ordem conjuntural ou da maior protecção, designam uma declaração unilateral, qualquer que seja o seu conteúdo ou a sua denominação, feita por um Estado quando assina, ratifica, aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a esse Estado. III - Essas reservas são inaceitáveis em tratados bilaterais, dado o tipo de vinculação, sem restrições, a que se obrigam os contraentes, de cumprimento pontual e irrestrito na base do acordo. IV - O respeito pelo Estado requerente da extradição às exigências supracitadas prende-se com o princípio fundamental inscrito no art. 3.º da Convenção, segundo o qual ninguém poderá ser submetido a torturas, penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, em obediência – como se escreveu no seu preâmbulo – a «um profundo apego a (…) liberdades fundamentais, que constituem as verdadeiras bases da justiça e da paz no mundo e cuja preservação repousa essencialmente, por um lado, num regime político verdadeiramente democrático e, por outro lado, numa concepção comum e no comum respeito pelos direitos do homem», tudo com o fito de realizar uma mais profunda união entre os Estados membros do Conselho da Europa. V - A violação da al. c) do n.º 1 do predito art. 6.º atine ao risco de agravamento da situação processual de uma pessoa por qualquer das razões indicadas na al. b), ou seja, por existirem fundadas razões para crer que a extradição é solicitada para perseguir ou punir uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, condições políticas ou ideológicas ou da pertença a partido político. VI - E, nos termos da al. e) do art. 6.º do DL 144/99, de 31-08, é igualmente fundamento de recusa a circunstância de o facto ser punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível para a integridade física da pessoa procurada. VII - Por outro lado, a extradição pode ser negada se a reduzida importância da infracção a não justificar – art. 10.º do DL 144/99, de 31-08 –, e sempre que, nos termos do art. 18.º, n.º 2, do mesmo diploma, daí derivem, vistas as circunstâncias do caso concreto, consequências graves para a pessoa do visado em razão da idade, estado de saúde ou outros motivos de carácter pessoal. VIII - O Estado português aprovou para ratificação a Convenção Europeia de Extradição, assinada em Estrasburgo em 27-04-1977, e os seus dois Protocolos Adicionais, assinados em Estrasburgo em 27-04-1977 e 27-04-1978, pela Resolução da AR n.º 23/89, de 08-11-1989 (in DR Série I, n.º 191, de 21-11-1989), formulando, no art. 1.º ao texto da Convenção, conforme facultado no seu art. 26.º, três reservas, das quais deriva não poder a extradição ser decretada para julgamento ou cumprimento de pena por tribunal de excepção (al. a)); quando se prove que as pessoas serão sujeitas a processo que não oferece garantias jurídicas de que respeite as condições internacionais reconhecidas como imprescindíveis à salvaguarda dos direitos do homem ou que o cumprimento da pena seja em condições desumanas (al. b)); ou quando seja reclamada para cumprimento de pena ou medida de segurança de carácter perpétuo (al. c)). IX - Tendo em consideração que: -não resultou minimamente comprovada a constatação por ONGs independentes de que o sistema prisional ucraniano se posicione fora do controle estadual, entregue a gangs ou “máfias” e às suas leis, pondo em risco a integridade física e até a própria vida do recorrente, pela exposição a toda a sorte de violências físicas, psíquicas e emocionais; -não está demonstrado que a República da Ucrânia não assegure através do seu poder judiciário o direito a um processo justo, rodeado de garantias de defesa do requerido, que a pena – se for de lhe impor, pois a extradição se destina, desde já, a fins de procedimento criminal – seja a cumprir em condições desumanas e, por maioria de razão, com risco para a sua integridade física ou perigo de vida; e, menos ainda, que a sua situação processual possa sofrer agravamento por virtude do concurso de quaisquer circunstâncias dentre as elencadas no n.º 1, al. b), do art. 6.º do DL 144/99, que as recebeu por incorporação do art. 3.º, n.º 2, da Convenção Europeia de Extradição; -tendo a República da Ucrânia ratificado esta última Convenção, imbuída esta como está do respeito pelos direitos fundamentais da pessoa humana, é de crer que a justiça daquele país e o seu sistema penitenciário se conformem a princípios estruturantes dos modernos Estados democráticos, entre os quais se contam o respeito por aqueles direitos fundamentais, que terão sido sopesados, em termos de capacidade de cumprimento e credibilidade, na valoração do pedido de adesão por parte do Estado ora requerente, que a ratificou – DR Série I, n.º 181, de 07-08-1997; -esse cumprimento foi certamente sopesado por parte do Sr. Ministro da Justiça, que teve por inadmissível, na fase preliminar, a extradição quanto ao crime de falsificação, por prescrição, e quanto ao de falsa empresa, por não satisfação do princípio da dupla incriminação – art. 2.º da Convenção Europeia de Extradição –, e não por quaisquer outras razões; -o recorrente ausentou-se do seu país natal depois de contra ele ser movido procedimento criminal por factos que assumem contornos de lesão patrimonial grave, e não se demonstrou que do facto de ser decretada a extradição resultem sérios inconvenientes à pessoa daquele, considerando a sua idade (45 anos) ou saúde, que não se comprovou ser periclitante; -apesar de a extradição causar visíveis incómodos ao requerido, por ter a sua vida organizada em Portugal, aqui tendo emprego e habitação própria, que comprou com a actual mulher, eles não são imprevisíveis, porque o recorrente conscientemente se furtou à acção da justiça do seu país, prejudicando a investigação, fixando-se em Portugal, violando a medida coactiva imposta de se não ausentar da Ucrânia – estando descoberto o processo, a relevar aquele condicionalismo, de se assegurar a impunidade do agente do crime, afrontando-se os princípios de confiança, respeito mútuo e reciprocidade que presidem ao processo de cooperação; -a circunstância de a mulher do requerido não ter, por si só, capacidade para satisfazer as prestações do empréstimo do apartamento onde vive, tratando-se de facto atinente a terceiro, de natureza patrimonial, não pessoal do recorrente, não tem virtualidade impeditiva ou condicionante da extradição; mostram-se reunidos os pressupostos legais da extradição, previstos nos arts. 1.º, n.º 1, al. a), 6.º, 8.º, 23.º, 31.º, n.º 2, 44.º, 49.º, 50.º, 54.º, 55.º e 56.º, todos do DL 144/99, de 31-08, sendo a mesma de autorizar.
Proc. n.º 4144/08 -3.ª Secção
Armindo Monteiro (relator)
Santos Cabral (tem voto de vencido, por entender que a extradição decretada, face à situação
pessoal do requerido e ao teor da infracção imputada, representa uma ofensa ao
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