ACSTJ de 18-12-2008
Acidente de viação Morte Ultrapassagem Causalidade adequada Presunções Culpa Concorrência de culpas Responsabilidade civil emergente de crime Negligência grosseira
I -Mostrando-se, em síntese, apurado que: -o arguido PS conduzia um veículo ligeiro de mercadorias, com tara até 3500 Kg e que o mesmo ziguezageou na via, em número não apurado de vezes, sem contudo sair do respectivo sentido de marcha e sem fazer qualquer tipo de sinalização de que pretendia afastar-se da rota em que seguia, para a esquerda ou para a direita, e sem fazer qualquer diminuição de velocidade; -atrás de si – a uma distância em que não cabia um veículo ligeiro de permeio entre ambos –, circulava o arguido JS, ao volante de um veículo pesado de passageiros, fazendo-o por conta e no interesse de outrem; -este iniciou manobra de ultrapassagem, tendo para esse efeito invadido parcialmente a faixa de rodagem de sentido contrário àquele em que seguiam, sendo que o local referido se apresentava como uma extensa recta de cerca de 2 Km, com visibilidade para qualquer dos sentidos de marcha, sem obstáculos que se colocassem à visão em distância dos automobilistas, casas ou peões e não circulando veículos em sentido contrário ao dos arguidos até uma distância, pelo menos, de 200 m; -no preciso momento da ultrapassagem, o arguido PS, repentinamente, sem o assinalar através de qualquer sinal sonoro ou luminoso, sem abrandar a velocidade ou fazer a aproximação ao eixo da via em que transitava, dirigiu o veículo que conduzia para a esquerda, num movimento rápido e em diagonal relativamente à via em que seguiam ambos, atravessando-se desse modo à frente da outra viatura; -com o embate, o arguido PS perdeu o controlo do veículo que tripulava, colhendo no seu trajecto um peão que se encontrava na berma, o qual sofreu lesões que lhe determinaram directa e necessariamente a morte; -e, dando-se como não provado, entre outros, que: -o arguido JS, na altura da ultrapassagem, o fizesse sem que o assinalasse por qualquer forma, sinal sonoro ou de luzes, há que concluir, nos termos do art. 503.º, n.º 3, do CC, que não tendo feito a prova de qualquer tipo de sinalização da manobra de ultrapassagem, subsiste, para efeitos de responsabilidade civil extracontratual, a presunção de culpa ali estabelecida. II - Ora a falta de sinalização da manobra de ultrapassagem não é de considerar completamente indiferente em termos de causalidade adequada para a produção do acidente, pois tal sinalização destinando-se também a prevenir o condutor que vai ser ultrapassado da realização da manobra, para que tome as devidas precauções, nomeadamente facilitando a sua execução (art. 39.º, n.º 1, do CE) e se o condutor JS a tivesse sinalizado, o comportamento do condutor ultrapassado poderia ser outro, tanto mais que o facto de ter antes ziguezagueado indiciava que esse condutor não circulava com a atenção devida e poderia ser alertado com a utilização dos referidos sinais. III - Nessa situação, é de considerar como muito mais acentuada a culpa deste último, integrando o conceito de negligência grosseira, ao passo que a culpa do condutor ultrapassante é muito mais leve, sendo, pois, de fixar a proporção de culpas em 80% e em 20%, respectivamente [a 1.ª instância havia decidido que ambos os condutores tinham contribuído para o sinistro, embora com culpa menor do arguido JS, enquanto que o Tribunal da Relação havia considerado exclusivamente culpado da produção do acidente o arguido PS].
Proc. n.º 3382/08 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator) **
Arménio Sottomayor
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