Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 11-12-2008
 Habeas corpus Fundamentos Prisão preventiva Detenção ilegal Prisão ilegal Competência territorial Juiz natural
I -A petição de habeas corpus está prevista em duas situações: a) em virtude de detenção ilegal (art. 220.º, n.º 1, do CPP); b) em virtude de prisão ilegal (art. 222.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal), em qualquer dos casos com fundamentos taxativamente previstos. No primeiro caso: a) estar excedido o prazo para entrega ao poder judicial; b) manter-se a detenção fora dos locais legalmente permitidos; c) ter sido a detenção efectuada ou ordenada por entidade incompetente; d) ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite. No segundo caso: a) ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; c) manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.
II - Quanto à situação de ilegalidade de detenção, o procedimento a adoptar é completamente diferente da situação de ilegalidade da prisão, visto que a petição é dirigida ao juiz de instrução da área, que adopta as medidas consideradas adequadas, de acordo com o preceituado no art. 221.º do CPP. Quanto à situação de ilegalidade da detenção, a petição é dirigida ao Presidente do STJ, nos termos dos arts. 222.º e 223.º do CPP.
III - Os requerentes invocam a ilegalidade da prisão preventiva em que se encontram, por ter na sua base facto que não a permite – a detenção ilegal – e por incompetência do tribunal que a ordenou.
IV - A eventual irregularidade (se a houvesse) da detenção e das buscas nunca enquadraria o fundamento invocado – [a prisão] «ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite» – pois tal fundamento refere-se a facto que, segundo a lei processual penal, não pode dar causa à aplicação da medida de coacção de prisão preventiva. Não é, porém, o caso. Na situação vertente, a prisão preventiva foi ordenada por facto que a permite com ampla largueza e reforçada motivação, pois os requerentes estão indiciados por crimes muito grave, integrando-se na designada criminalidade violenta, para o qual a lei permite a prisão preventiva a partir de um escalão (tendo em conta a pena aplicável) inferior ao normal, que é de 5 anos e ali de 3 anos de prisão (arts. 161.º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. a), 158.º, n.º 2, al. b), do CP [crime de rapto], para além do crime de extorsão dos arts. 223.º, n.ºs 1 e 3, al. a), e 204.º, n.º 2, al. f), na forma tentada, e do crime de associação criminosa do art. 299.º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, e arts. 193.º, 202.º, n.º 1, al. b), 204.º, als. a), b) e c), e 1.º, als. j), l) e m), estes do CPP).
V - Por outro lado, os requerentes foram submetidos a prisão preventiva por entidade competente (o TIC), sendo de notar que “entidade incompetente” não é a mesma coisa que “tribunal territorialmente incompetente” – incompetência esta nem sequer absoluta, mas relativa, tendo, no caso, a incompetência sido declarada em conformidade com o disposto no art. 32.º, n.º 2, al. a), do CPP e o processo remetido para o tribunal competente. Este, por seu turno, já procedeu por duas vezes ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva, o que significa que a medida de coacção aplicada não só foi convalidada como reforçada por esse tribunal.
VI - Este circunstancialismo torna completamente desajustada a invocação da violação do princípio do juiz natural, pois, por um lado, o processo acabou por ser remetido ao tribunal competente, depois de declarada, em despacho, logo que detectada, a incompetência territorial do TIC de … e, por outro lado, o que verdadeiramente está em causa quando se fala do princípio do “juiz natural” é a chamada Raison d’État, ou seja, a criação de tribunais ad hoc para julgar determinadas causas, subtraindo-as à competência determinada por lei anterior geral e abstracta. O que o referido princípio postula é, pois, a rejeição da criação de tribunais ad hoc para julgar certos processos ou certos arguidos, em conformidade com uma “razão de Estado” e, por extensão, a designação arbitrária do tribunal para conhecer de um dado caso, em vez de se seguir o princípio da determinação por lei anterior geral e abstracta, assegurando-se com isso a independência e a imparcialidade do juiz.
Proc. n.º 3983/08 -5.ª Secção Rodrigues da Costa (relator) Arménio Sottomayor Carmona da Mota