ACSTJ de 11-12-2008
Extradição Cooperação judiciária internacional em matéria penal Princípio do reconhecimento mútuo Direitos de defesa Recusa facultativa de execução Consumação Associação criminosa Lenocínio Tráfico de pessoas Competência internacional
I -As formas de cooperação referidas no art. 1.º da Lei 144/99, de 31-08, a começar por a aí mencionada em primeiro lugar, que é a extradição, nos termos do n.º 1 do art. 3.º do diploma, “regem-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições deste diploma”. Daí que, as causas de recusa facultativa ou obrigatória do pedido de extradição, decorrentes da lei geral, não devam ser chamadas à colação. II - Importa sim, ter em consideração [no caso presente, em que o Tribunal da Relação deferiu o pedido de extradição de cidadã brasileira], o Tratado de Extradição entre Portugal e o Brasil, de 07-05-1991, concretamente em matéria de recusa do pedido de extradição. Sabido que, em relação à disciplina sobre cooperação judiciária penal, e especificamente sobre extradição, que resulta da Lei 144/99, de 31-08, esse Tratado teve em conta as ligações especialmente estreitas entre os dois países e só pode ter querido facilitar a cooperação, em ambos os sentidos do Atlântico. III - Entre as normas que prevêem circunstâncias, em face das quais a extradição é inadmissível, e, bem assim, em que a dita extradição pode ser recusada, encontra-se a prevista na al. b) do art. 3.º do Tratado: “ter sido a infracção cometida no território da Parte requerida”. Ou seja, em Portugal. IV - Nos termos do art. 7.º do CP português, “o facto considera-se praticado tanto no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, como naquele em que o resultado típico ou o resultado não compreendido no tipo de crime se tiver produzido”. V - Os factos indiciados nos autos reportam-se a um grupo criminoso que se organizou e que passou a funcionar a partir de S. Paulo, pelo menos desde Junho de 2006, com vista ao tráfico internacional de mulheres, para fins de prostituição. A extraditanda é reputada pessoa de confiança da co-arguida GG para a Europa. Refere-se que aquela reside em Portugal e «agencia as garotas de GG naquele continente». Importa ter em conta que se está perante a acusação, entre o mais, de um crime de associação criminosa, aí assumindo aparentemente, papel mais relevante, a tal GG, moradora em S. Paulo. Também é certo que todos os outros co-arguidos aí residem, com excepção de TB, residente em S. André, e GR em Miami, EUA, para além da extraditanda, que reside em Portugal. Os elementos fornecidos apontam claramente para uma organização que labora a partir do Brasil, enviando raparigas para encontros de cariz sexual, não só internamente, como daí para o estrangeiro. VI - A constituição e início do funcionamento de uma associação criminosa assinala o momento da consumação deste crime, que depois se pode prolongar. Porque a associação é autónoma em relação aos crimes que se pratiquem através dela, fazer parte da associação não implica evidentemente participar em todos os crimes praticados no seu seio. VII - O facto de a recorrente integrar a associação criminosa em foco não reclama, obviamente, que a mesma viva e trabalhe, no que possa ser tido por sede da mesma, podendo dar o seu contributo, para funcionamento do grupo e prossecução dos seus objectivos, a partir de outro país que não o Brasil. Mais, tratando-se de uma rede transnacional de prostituição, é clara a necessidade de apoios no estrangeiro, para seu funcionamento. Em matéria de crime transnacional, a mobilidade e a dispersão de agentes e actividades, reclama, pois, que se possa proceder contra alguém por um crime cometido num lugar, a partir do qual a organização actua, mesmo que esse alguém não tenha desenvolvido toda ou alguma da sua actividade aí. VIII - Em relação aos crimes de lenocínio e tráfico de pessoas, dir-se-á que, decisivo para efeitos de consumação e portanto de competência, à luz do normativo atrás transcrito, é o local do aliciamento, angariação ou contratação das prostitutas. E esse trabalho incidia sobre brasileiras, no Brasil. IX - Não existe motivo que impeça a concessão da extradição em causa.
Proc. n.º 3982/08 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
Soares Ramos
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