ACSTJ de 11-12-2008
Comissão Nacional de Eleições Contra-ordenação Eleições Propaganda eleitoral Dolo Mandato In dubio pro reo
I -O candidato do Partido X à Assembleia de Freguesia de …, ao contratar com a empresa LP a afixação de propaganda eleitoral nos suportes dos corrimões de protecção de peões destinados a publicidade comercial, praticou actos susceptíveis de integrarem a contra-ordenação ao art. 209.º da Lei Orgânica 1/2001. II - Tratando-se dum processo eleitoral, como o das autarquias locais, em que são múltiplos os órgãos a cuja eleição se procede, não seria pensável centrar a actividade de propaganda eleitoral nos órgãos centrais do partido ou, ainda mais restritivamente, no respectivo secretário-geral. III - Em princípio, não é aceitável que um qualquer candidato, só porque o é, deva ser tratado como representante do partido para todo e qualquer efeito, determinando a responsabilidade do partido por comportamentos que podem até ser desviantes da vertente estatutária, especialmente se tal candidato nem sequer faz parte dos órgãos do partido. Todavia, situações há em que, embora a actividade seja levada a efeito pelo candidato, os órgãos ou representantes do partido aceitam e fazem seu o comportamento daquele agente. Neste caso, se a actividade do candidato, como agente da pessoa colectiva, for violadora dos preceitos legais, pode levar à responsabilização do partido por essa conduta ilícita. É o que sucede com as despesas com as candidaturas, nomeadamente as despesas de propaganda, que são suportadas pelas estruturas do partido concorrente, verificando-se uma autêntica ratificação por parte das estruturas orgânicas do partido. IV - A Lei 19/2003, de 20-06, que regulamenta o financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, determina, no art. 15.º, que “as receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias restritas à respectiva campanha” e que “nas campanhas eleitorais para os órgãos das autarquias locais, a conta tem base municipal”. Por seu turno, estabelece o art. 21.º que “por cada conta de campanha é constituído um mandatário financeiro, a quem cabe, no respectivo âmbito, a aceitação do donativo previsto na al. c) do n.º 1 do art. 16.º, o depósito de todas as receitas e a autorização e controlo das despesas de campanha”. Constituindo uma das funções do mandatário financeiro a autorização e o controlo das despesas da campanha, os actos que pratica repercutem-se na esfera jurídica do partido político que age como mandante, uma vez que, nos termos gerais, o mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra (art. 1157.º do CC). Daí que, a menos que os órgãos dirigentes do partido expressamente revoguem um acto do mandatário, se deva entender que os actos praticados por este arrastam a responsabilidade do respectivo partido político. Por isso, se aquele, consciente e voluntariamente, autoriza uma despesa de publicidade comercial, o partido político respectivo pode ser responsabilizado por esse acto ilícito, entendendo-se que actuou com dolo. V - Mostrando-se a despesa com os actos praticados pela empresa LP autorizada pelo mandatário financeiro do Partido X, que apôs a sua assinatura na respectiva factura e tendo sido tal despesa paga pelo cheque n.º …, sobre o Banco Y, deverá o respectivo partido ser responsável pelos efeitos da actividade contratada pelo seu candidato com a referida empresa. VI - Todavia, dessa factura consta apenas o fabrico de diversos cartazes, que ali se refere terem sido entregues nas instalações do cliente, sendo absolutamente omisso quanto ao custo de afixação dessa propaganda em locais destinados à publicidade comercial. Ou seja, face ao que consta da factura, o pagamento autorizado pelo mandatário financeiro do partido corresponde apenas à prática de um acto lícito. Para além da autorização do pagamento, não existe qualquer outra prova susceptível de demonstrar que era do conhecimento dos órgãos representativos do Partido o recurso à publicidade comercial e que à prática de tal acto foi dado acordo, ainda que tácito. VII - Não tendo sido feita a necessária prova de que o acto proibido por lei, que foi praticado por um candidato, não ocorreu à margem e à revelia do Partido X, dito de outro modo, não se tendo provado se o referido candidato deu conhecimento às estruturas do partido do recurso à publicidade comercial através da afixação de propaganda política nos suportes próprios da publicidade comercial, nem que o partido deu o seu acordo à utilização de tal método publicitário, a dúvida terá de favorecer o arguido. Não resta, assim, senão decidir pela absolvição do Partido X, por faltar o elemento subjectivo da infracção.
Proc. n.º 633/07 -5.ª Secção
Arménio Sottomayor (relator) **
Simas Santos
Raul Borges
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