ACSTJ de 04-12-2008
Concurso de infracções Pena única Pena suspensa Pena de prisão Cúmulo jurídico Cúmulo por arrastamento Medida da pena Medida concreta da pena
I -No concurso superveniente de crimes, nada impede que na formação da pena única entrem penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensa, decidindo o tribunal do cúmulo se, reavaliados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução. II - O acórdão recorrido efectuou o chamado «cúmulo por arrastamento», pois, mesmo tendo verificado que de entre os diversos crimes cometidos pelo arguido, com sentenças já transitadas em julgado, alguns estavam numa situação de concurso com todos os restantes, de acordo com as regras definidas no art. 78.º do CP, mas outros não o estavam, por terem sido cometidos depois de transitar a sentença por algum ou por alguns dos outros, optou por cumular todas as penas parcelares e aplicar uma única pena conjunta. III - Contudo, o cúmulo por arrastamento não tem sido admitido pelo STJ, por violação ostensiva do disposto no art. 78.º do CP, pelo que há que retirar do concurso dois crimes e formar uma pena conjunta com os restantes (que estão entre si numa verdadeira situação de concurso superveniente). IV - O arguido cumprirá, então, sucessivamente, a pena conjunta que aqui se vai fixar e outra pena (que no plano teórico seria a pena conjunta entre aqueles dois crimes, mas que em concreto não há que efectuar, pois uma das penas é de multa e já está extinta pelo pagamento). V - No caso em apreço, em que o tribunal recorrido aplicou uma pena conjunta de 18 anos e 5 meses de prisão relativamente a 17 penas parcelares de sete processos em que as sentenças já se mostram transitadas em julgado, verifica-se que os limites abstractos da pena única dos crimes efectivamente em concurso variam entre o mínimo de 6 anos de prisão (pena parcelar mais grave) e o máximo de 25 anos de prisão (a soma de todas as penas é de 43 anos e 10 meses). VI - Ora, os crimes em questão nos cinco processos ocorreram entre Julho de 2002 e Fevereiro de 2006, isto é, num período de cerca de três anos e meio, mas durante os quais o recorrente chegou a estar preso e, depois, evadido, para praticar os últimos crimes. Foram, no essencial, crimes contra a propriedade, com ou sem violência, isto é, furtos qualificados, furto simples e roubos, mas também outro tipo de crimes, relacionados ou não com aqueles (detenção de arma proibida, condução sem habilitação, condução perigosa, atentado à segurança dos transportes rodoviários, falsificação de documentos, injúrias agravadas). VII - O arguido nasceu em 05-11-1983, pelo que no período considerado tinha entre 18 a 22 anos de idade, mas podem apontar-se-lhe problemas de ordem criminal desde muito novo, ainda com a jurisdição de menores. Após completar 16 anos de idade, ainda cometeu outros crimes não considerados no acórdão recorrido. O arguido está preso desde 14-05-2004. Esteve evadido de 28-11-2005 a 25-02-2006. VIII - Ora, face a este “currículo”, não podemos deixar de considerar que já estamos no domínio de uma tendência criminosa. E só não valorizamos demasiado tal tendência, pois o arguido é ainda muito jovem e o seu percurso criminoso está relacionado com a toxicodependência. IX - Quanto à sua personalidade, verifica-se que o comportamento melhorou, tendo mesmo uma motivação para aquisição de habilitações literárias, encontrando-se a frequentar a escola e a desempenhar tarefas no sector da cozinha. Assume que continua apenas a fumar haxixe, tendo deixado de consumir “drogas duras”. Demonstra algumas perspectivas de inserção profissional e social e familiar depois de ver definida a sua situação jurídico-penal, dado ter ainda muitos processos pendentes, não tendo neste momento qualquer projecto de vida em perspectiva. X - A juventude do arguido, hoje com apenas 25 anos de idade, aliada a alguma esperança de ressocialização futura, a necessidade de não o estigmatizar com uma pena demasiado pesada nesta fase ainda precoce do seu desenvolvimento adulto, levam-nos a considerar mais adequada uma pena conjunta, que abrange as penas parcelares aplicadas nos cinco processos referidos, de 12 anos de prisão, a que se seguirá o cumprimento da outra pena de prisão não abrangida neste cúmulo.
Proc. n.º 3628/08 -5.ª Secção
Santos Carvalho (relator) *
Rodrigues da Costa
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