ACSTJ de 04-12-2008
Recurso de revisão Prova Testemunha Falsidade de depoimento ou declaração Sentença Trânsito em julgado Novos factos Novos meios de prova Suspensão provisória do processo Arquivamento do inquérito Decisão que põe termo ao processo
I -O recurso extraordinário de revisão não se destina propriamente a sindicar a correcção da decisão condenatória, transitada em julgado, só para o julgador se debruçar mais uma vez sobre a factualidade dada por provada e por não provada, ou sobre a prova em que se baseou. Propõe-se, sim, averiguar em que medida é que, no caso, a outra sentença transitada em julgado [art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP] ou os novos factos ou as novas provas apresentadas [al. d)], são susceptíveis de abalar a convicção do tribunal, em matéria de facto, sem perder de vista, obviamente, os factos já dados por provados na decisão condenatória e a prova em que se basearam. II - Importa, no caso da al. a), que os meios de prova considerados falsos tenham sido determinantes para a condenação e, no caso da al. d), que passe a haver uma dúvida grave sobre a justiça da condenação, que se atribua à descoberta de novos factos ou da nova prova apresentada. Ou seja, importa ver, nos dados que surgiram de novo, elementos decisivos para poder ser sustentada a tese da inocência. III - Confrontados com a necessidade de aferir se um despacho de arquivamento de um inquérito, na sequência de uma suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281.º do CPP, equivale, para o efeito, a uma sentença transitada em julgado, a resposta parece estar, à primeira vista, no n.º 2 do art. 449.º do CPP, que diz: “Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo”. IV - No entanto, sempre poderia defender-se que o efeito que se pretende obter com a expressão “o disposto no número anterior” é a revisão de uma decisão, e essa é que poderá ser, tanto uma sentença transitada em julgado como um despacho que ponha fim ao processo. Ficaria assim excluída a equiparação, tratando-se da decisão fundamento da revisão. V - Ao remeter para o “efeito do número anterior”, equiparando à sentença despacho que tenha posto fim ao processo, a letra da lei tanto é compatível com a existência de recurso para revisão de despacho, como de recurso para revisão de sentença, fundada não noutra sentença mas em despacho. Porque no n.º 1 do preceito tanto se fala em sentença objecto de revisão como em sentença fundamento de revisão. VI - O despacho do MP, previsto no n.º 3 do art. 282.º do CPP, cabe obviamente na letra da norma do n.º 2 do art. 449.º, porque pôs fim ao processo. Interessa ter porém em conta, desde já, que não foi nesse despacho que se considerou indiciado o crime de falsidade do depoimento. VII - Quanto à al. a) do n.º 1 do art. 449.º, importa atender à razão de se ter falado aí em sentença transitada. Claramente, o que se pretende é que a falsidade dos meios de prova que se tiver constatado, seja segura, no sentido de declarada com solidez, insusceptível de outra ulterior apreciação. Ora, no caso do despacho do n.º 3 do art. 282.º do CPP, não se pode rigorosamente falar de trânsito em julgado material da decisão, nem aquelas condições de solidez estarão suficientemente acauteladas. VIII - O despacho de suspensão provisória do processo só pode ser proferido tendo sido feita a prova da infracção, durante o inquérito. Mas, o despacho de suspensão do n.º 1 do art. 281.º não põe fim ao processo e, além disso, a intervenção judicial só é susceptível de recurso se não houver concordância com a opção do MP. E é nessa decisão de concordância, ou não concordância, com a proposta do MP, que o juiz sindica os pressupostos da suspensão, que incluem a suficiência de indícios dos factos. IX - Por outro lado, a indiciação recolhida no inquérito não tem a segurança da prova em julgamento, designadamente, por o contraditório em que se analisa a anuência do arguido, para que a suspensão se concretize, não poder ser feita equivaler, à prova da acusação e da defesa, produzida em audiência. X - Finalmente, e sobretudo, o despacho de suspensão provisória do processo, em que se conclui pela suficiência de indícios da prática dos factos, o que não é o mesmo que prova dos factos em audiência, não apresenta o carácter definitivo de uma sentença transitada. Basta admitir, por hipótese, que o não cumprimento de injunções e regras de conduta leve à dedução de uma acusação, na sequência da qual se procede a julgamento, nada impedindo que no fim do mesmo o arguido seja absolvido. XI - Mesmo que se raciocinasse no caso à luz da al. a) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, tudo dependeria de, depois de se assentar na falsidade do depoimento, apurar qual o valor desse depoimento, que teria que ter sido determinante para a condenação. Quanto ao primeiro ponto, deixou de estar em discussão, por se ter negado a equivalência exigida, entre sentença transitada em julgado e despacho que põe fim ao processo. Quanto ao segundo, importaria explicar porque é que se considerava o depoimento em apreço como tendo sido determinante para a condenação. XII - Resta dizer que a falsidade do depoimento de uma testemunha, comprovada em despacho que põe fim ao processo, não constituiria facto novo com relevância para efeitos de revisão, ao abrigo da al. d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP. Se estendêssemos a esse ponto o conceito de factos novos (ou novos meios de prova), da al. d), então a própria situação prevista na al. a) do n.º 1 do preceito, porque “facto novo”, não precisaria de estar especificamente prevista, antes viabilizaria a revisão, ao abrigo, simplesmente, da al. d).
Proc. n.º 3067/08 -5.ª Secção
Souto Moura (relator) **
Soares Ramos
Carmona da Mota
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