ACSTJ de 04-12-2008
Mandado de Detenção Europeu Princípio do reconhecimento mútuo Interpretação Entrega para procedimento criminal Cidadão nacional Cidadão residente no Estado de execução Entrega diferida ou condicional Devolução para cumprimento de pena Garantias
I -O MDE constitui uma importante manifestação legislativa do princípio do reconhecimento mútuo que assenta na ideia de confiança mútua entre os Estados membros da União Europeia, destinando-se a substituir o procedimento da extradição, significando que uma decisão tomada por uma autoridade judiciária de um Estado membro com base na sua legislação interna será reconhecida e executada pela autoridade judiciária de outro Estado membro, produzindo efeitos pelo menos equivalentes a uma decisão tomada por uma autoridade judiciária nacional. II - Trata-se de procedimento em que não há qualquer juízo de oportunidade política na decisão e em que a cooperação se faz directamente entre as autoridades judiciárias dos Estados membros, sem qualquer intervenção do poder executivo. III - O MDE está sujeito a uma reserva de soberania, que em alguns casos impõe ao Estado Português a recusa da execução do mandado (art. 11.º da Lei 65/2003, de 23-08) e noutros lhe permite que o faça (art. 12.º). IV - Interpretar um preceito consiste em estabelecer o sentido das expressões legais para decidir a previsão legal e, logo, a sua aplicabilidade ao pressuposto de facto que se coloca perante o intérprete, cientes de que a interpretação da lei «não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (art. 9.º, n.º 1, do CC), além de que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas» (art. 9.º, n.º 3). V - O art. 13.º da Lei 65/2003 trata das garantias a fornecer pelo Estado membro de emissão em determinados casos especiais e esclarece no seu corpo que a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias a que se referem as suas alíneas, que retratam procedimentos comuns para as duas primeiras e diverso para a última. VI - No que se refere às als. a) e b) não só a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar uma das garantias (corpo do artigo) a que se referem as suas alíneas, como a própria decisão de entrega só poderá ser proferida depois de prestada tal garantia [als. a) e b)], sendo essas alíneas explícitas quanto à prestação de tais garantias, de natureza e proveniência diferentes. VII - Mas o regime aplicável ao caso da al. c) é diverso: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução (para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado membro de emissão), se for nacional ou residente no Estado membro de execução. VIII - Ou seja, não só não é interditada a prolação da decisão de entrega, por falta da respectiva garantia, como é mesmo admitida a sua prolação, sob condição de devolução da pessoa requerida. E não é imposta tal condição como obrigatória, mas como eventual: a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição. Só é aplicável a limitação do corpo do artigo: a execução do MDE só terá lugar se o Estado membro de emissão prestar a garantia devida. IX - Uma vez que a al. c) não explicita qual é essa garantia, terá a mesma de ser deduzida de tal alínea e estar em consonância com a condição, se ele vier a ser determinada: a garantia de que o Estado membro de emissão aceitará devolver a pessoa requerida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada naquele Estado membro, se essa for também a vontade da pessoa requerida. X - Interpretação que se ajusta ao pensamento do STJ sobre o MDE e se revê na Decisão-Quadro 2002/584/JAI, do Conselho, de 13-06-2002, em cujo cumprimento foi aprovado o regime jurídico do MDE e que permite no seu art. 5.º que cada Estado membro de execução possa sujeitar a execução do mandado de detenção europeu pela autoridade judiciária a condições previstas nos seus números, como a do n.º 3, que se refere à sujeição da entrega para efeitos de procedimento penal de nacional ou residente do Estado membro de execução, à condição de que a pessoa, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado membro de execução para nele cumprir a pena ou medida de segurança privativas de liberdade proferida contra ela no Estado membro de emissão.
Proc. n.º 3861/08 -5.ª Secção
Simas Santos (relator) *
Santos Carvalho
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