ACSTJ de 18-12-2008
Furto Furto de uso Elementos da infracção Restituição Roubo
I -Importante elemento na análise do critério distintivo entre o furto da coisa e o furto de uso será a determinação do limite temporal, da duração do uso, com a definição do momento até onde será ainda possível a caracterização da conduta como furto de uso e o momento a partir do qual deverá ser entendido já como sinal de apropriação da res; por outro lado, assume igualmente relevo e pertinência a questão de saber se o elemento subjectivo do tipo se terá de preencher com a prévia ideia de devolução, retorno à origem, de restituição do bem apropriado. II - O elemento subjectivo do furto consiste no «propósito do agente integrar a coisa no seu património ou no de terceira pessoa, contra a vontade do proprietário, possuidor ou detentor». III - O denominado furtum usus não é apenas furto mas, em termos amplos, utilização indevida de, além do mais, veículos motorizados. Compreende todos os casos em que alguém se serve da viatura sem qualquer direito e, bem assim, aqueles em que o agente a detém para a não usar ou para lhe dar um determinado uso e acaba por utilizar diferentemente a coisa (quando não até para além do tempo acordado) – cf. Ac. do STJ de 16-03-1988, BMJ 375.º/218. IV - Partindo do ensinamento de Cuello Calón (in Derecho Penal, Parte especial, pág. 903) no sentido de que «existe o furto de uso quando o agente toma a coisa não com o ânimo de se apropriar dela de modo definitivo, mas apenas para a usar e restituí-la ou deixá-la à disposição do seu proprietário», defende o Ac. do STJ de 23-01-1991 (BMJ 403.º/181) que no furto de uso fica vincado, pois, o elemento “restituição”, já que, não existindo, apenas fica a apropriação, sendo no momento desta que o crime de furto da coisa se consuma. Por isso mesmo, já foi entendido que, no caso de abandono da coisa, sem propósito de restituir, existe furtum rei. V - Distingue o crime de furtum rei, consistente na subtracção da coisa com intenção de apropriação, do crime de furtum usus, que se verifica no caso de apropriação da coisa com posterior restituição, para aproveitamento do seu uso durante certo espaço de tempo. VI - É punida a utilização fraudulenta, que tanto acontece depois da subtracção do veículo para o efeito como nos casos de haver uma detenção legítima mas utilização abusiva. VII - Para que se verifique o crime de furto é essencial a intenção de apropriação do veículo e para a existência do furto de uso basta a simples utilização abusiva. Por isso, para que se possa estar perante crime de furto da coisa é necessário que se prove que o agente teve a intenção de se apropriar dela, para a fazer coisa sua; não se provando essa intenção de apropriação ou provando-se apenas que era intenção a utilização com abandono posterior a conduta apenas integra um furto de uso. VIII - No sentido da necessidade da presença do elemento restituição pronunciou-se o Ac. do STJ de 22-11-1989 (BMJ 391.º/433) ao referir que “para que exista «furtum usus» o fundamental é que o agente pratique um qualquer acto que seja idóneo a reintegrar o veículo subtraído na posse da vítima, ainda que encarregue alguém de o fazer”. IX - Leal-Henriques e Simas Santos (in Código Penal Anotado, 2.º vol., Parte Especial, Rei dos Livros, 3.ª ed., pág. 85) anotam que «…a restituição da coisa caracteriza este crime. Na verdade, se o agente quis tão somente usar a coisa tirada, a restituição é um imperativo, e deve ser breve, incluindo todos os seus acessórios. Se, v.g., durante a utilização de um automóvel foi consumida gasolina que não foi reposta, ocorre em relação a esta um crime de furtum rei. A coisa deve ser devolvida a local em que o imediato poder de disposição do dono possa ser exercido; se diversamente é deixada algures, sem qualquer aviso ao proprietário, o agente assume o risco de que não se opere a restituição (risco a que se mostra indiferente), equiparando-se à hipótese do ladrão que, depois de assenhorear-se da coisa, resolve abandoná-la, o que não o exime de responder a título de furto (cfr. Nelson Hungria, Comentário ao Código Penal Brasileiro, 25)». X - Interrogando-se sobre a existência ou não de elementos implícitos no tipo legal de crime, considera Faria Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo II, em anotação ao art. 208.º) que «a restituição do veículo – rectius, o cessar voluntário de utilizar o veículo –, não obstante ter sido absolutamente esquecida pelo legislador, é elemento indispensável para o preenchimento deste tipo legal de crime. De outra forma, o utilizar o veículo para lá do limite temporal que propusemos adequado ao momentâneo é, quanto a nós, já não manifestação de uma utilização inerente ao furtum usus, mas inequívoca ilustração objectiva de um comportamento uti dominus, logo, preenchimento do crime de furto. Objectivamente – segundo as normais regras de experiência – o agente da infracção comporta-se, não como um mero utilizador de circunstância, mas como um verdadeiro proprietário». XI - E, a propósito da restituição prevista no art. 206.º (anterior art. 301.º) do CP, diz que as restituições visam finalidades muito diferentes e inserem-se em estruturas dogmáticas abissalmente diversas: «Aqui (…) entendemos a restituição como um elemento implícito do tipo. Ali, a restituição serve como determinante para uma atenuação especial da pena. Contudo, a restituição deve ser voluntária. A intromissão, por exemplo, da polícia, no gozo indevido do veículo com a consequente restituição, implica que se esteja perante um normal furto». XII - Por fim, assinala a existência de dois elementos implícitos no tipo objectivo de ilícito: a utilização tendencialmente momentânea ea restituição quase imediata. XIII - Numa situação em que os arguidos se apoderaram do veículo em 05-11-2004, vindo o mesmo a ser recuperado, na sequência de perseguição policial, em 15-11-2004, fluindo dos factos provados que os arguidos agiram com intenção de se apoderarem daquele, não se estando perante um uso momentâneo, mas sim duradouro, nem face a abandono ou a qualquer forma de restituição ou de colocação da viatura, sponte sua, na disponibilidade do proprietário, conclui-se que a apropriação do veículo em causa, com exercício de ameaças nas pessoas dos seus ocupantes, é de qualificar como furto, integrante do crime complexo e pluriofensivo que é o roubo.
Proc. n.º 3060/08 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
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