ACSTJ de 10-12-2008
Habeas corpus Pressupostos Prazo da prisão preventiva Acusação Notificação Constitucionalidade
I -A providência de habeas corpus tem a natureza de remédio excepcional para proteger a liberdade individual, revestindo carácter extraordinário e urgente, «medida expedita» com a finalidade de rapidamente pôr termo a situações de ilegal privação de liberdade, decorrentes de ilegalidade de detenção ou de prisão, taxativamente enunciadas na lei: em caso de detenção ilegal, nos casos previstos nas quatro alíneas do n.º 1 do art. 220.º do CPP e, quanto ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, nas situações extremas de abuso de poder ou erro grosseiro, patente, grave, na aplicação do direito, descritas nas três alíneas do n.º 2 do art. 222.º do CPP. II - Sendo a prisão efectiva e actual (de acordo com o princípio da actualidade é necessário que a ilegalidade da prisão seja actual, sendo a actualidade reportada ao momento em que é necessário apreciar o pedido) o pressuposto de facto da providência e a ilegalidade da prisão o seu fundamento jurídico, esta providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar (assim, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 297) há-de fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de (únicas hipóteses de causas de ilegalidade da prisão): a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial. III - Na dicotomia data da prolação da acusação/data da notificação da acusação como elemento aferidor da determinação do momento relevante para se estabelecer o marco que importa ter em atenção na definição do dies ad quem do prazo de duração máxima de prisão preventiva, é de ter como correcta a opção pela data em que é elaborada a acusação. IV - Desde logo pelo elemento literal, a extrair da al. a) do n.º 1 do art. 215.º do CPP, quando refere que o decurso do prazo sem que tenha sido deduzida acusação e de modo similar nas restantes alíneas, como na b), ao referir o decurso do prazo sem que tenha sido proferida decisão instrutória, e nas als. c) e d), ao colocar o ponto final do prazo sem que tenha havido condenação, em 1.ª instância ou com trânsito em julgado. V - Em todos estes casos é patente a referência à data da prática do acto processual ou elaboração da decisão (acusação, decisão instrutória e condenação) proferida no processo de acordo com cada etapa ou fase processual e não ao momento em que chega ao conhecimento do destinatário o teor da mesma. VI - De contrário, em caso de pluralidade de arguidos, teríamos datas diferentes consoante os diversos momentos em que a decisão fosse chegando ao destino. E, por outro lado, furtando-se o destinatário ao recebimento da notícia, descoberto estaria o caminho para se prolongar o prazo caso se mostrasse pontualmente necessária ou conveniente tal estratégia. VII - Este STJ já tomou posição sobre a questão, defendendo-se no Ac. de 11-10-2005 (CJSTJ, 2005, tomo 3, pág. 186) que, para o efeito previsto no art. 215.º do CPP, releva a data da acusação e não a notificação ao arguido dessa peça processual (cf., ainda, Acs. de 14-032001, de 22-03-2001, de 15-05-2002, de 11-06-2002, de 24-10-2007, Proc. n.º 3977/07 3.ª, de 12-12-2007, Proc. n.º 4646/07 -3.ª, e de 13-02-2008, Proc. n.º 522/08 -3.ª), o mesmo se passando com a decisão instrutória, como afirmou o Ac. do STJ de 28-06-1989, Proc. n.º 18/89 -3.ª. VIII - Neste sentido se tem pronunciado, também, a jurisprudência do TC – cf. Acs. n.ºs 404/2005, de 22-07, e 208/2006, de 22-03 (in, respectivamente, DR, II Série, de 31-032006 e de 04-05-2006), em que se questionava a al. c) do n.º 1 do art. 215.º do CPP; Ac. n.º 2/2008 (in DR, II Série, de 14-02-2008), já na vigência da nova redacção do art. 215.º introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08; e Ac. n.º 280/2008, de 14-05-2008, em que estava em causa a inconstitucionalidade do art. 215.º, n.º 1, al. a), do CPP, por violação do disposto nos arts. 28.º, n.º 4, 31.º e 32.º, n.º 1, todos da CRP. IX - Da marcação da data da prolação da acusação como termo final do prazo de duração máxima de prisão preventiva nesta 1.ª fase do processo decorre que, no dia seguinte, se inicia o novo prazo de duração máxima correspondente à fase que se segue, que igualmente deverá ser observado, não se violando qualquer prazo nem resultando ferida qualquer garantia de defesa.
Proc. n.º 3971/08 -3.ª Secção
Raul Borges (relator)
Fernando Fróis
Pereira Madeira
|