ACSTJ de 10-12-2008
Admissibilidade de recurso Acórdão da Relação Decisão que põe termo à causa Decisão que não põe termo à causa Pedido de indemnização civil Princípio da adesão Responsabilidade criminal Caso julgado
I -Conforme entendimento já expresso por este Supremo Tribunal, decisão que põe termo à causa é aquela que tem como consequência o arquivamento ou encerramento do objecto do processo, mesmo que não se tenha conhecido do mérito. Em última análise, trata-se da decisão que põe termo à relação jurídica processual penal, ou seja, que determina o terminus da relação entre o Estado e o cidadão imputado, configurando os precisos termos da sua situação jurídico-criminal. II - O acórdão da Relação, na parte em que confirmou a improcedência da invocada excepção dilatória de litispendência quanto ao pedido de indemnização civil deduzido pelo Estado (recurso interlocutório), não configura manifestamente tal perfil, consubstanciando única e exclusivamente uma decisão de natureza interlocutória e não uma decisão que ponha fim à causa. Na verdade, trata-se somente de uma questão incidental cuja decisão deixou incólume a relação processual penal consubstanciada na verificação da responsabilidade criminal da arguida. III - O recurso para o STJ dessa parte do acórdão da Relação é inadmissível, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. c), do CPP. IV - O pedido de indemnização civil, a deduzir no processo penal, há-de ter por causa de pedir os mesmos factos que são também pressuposto da responsabilidade criminal e pelos quais o arguido é acusado. A autonomia da responsabilidade civil e criminal não impede, por isso, que, mesmo no caso da absolvição da responsabilidade criminal, o tribunal conheça da responsabilidade civil que é daquela autónoma e só por razões processuais, nomeadamente de economia e para evitar julgados contraditórios, deve ser julgada no mesmo processo. V - Com a consagração do princípio da adesão resolvem-se no processo penal todas as questões que envolvem o facto criminoso em qualquer uma das suas vertentes, sem necessidade de recorrer a mecanismos autónomos. Por outro lado, sublinha-se a manifesta economia de meios, uma vez que os interessados não necessitam de despender e dispersarcustos quando afinal o tribunal a quem se atribuiu competência para conhecer do crime oferece as mesmas garantias quando ela é alargada ao conhecimento de uma matéria que está intimamente ligada a esse crime. Finalmente, importa salientar razões de prestígio institucional, o qual poderia ser posto em jogo se houvesse que enfrentar julgados contraditórios acerca do ilícito criminal a julgar, um no foro criminal com determinado sentido e outro no foro cível, eventualmente com expressão completamente contrária ou oposta. VI - Como se refere em Ac. deste STJ de 10-07-2008, interdependência das acções significa que mantêm a independência nos pressupostos e nas finalidades (objecto), sendo a acção penal dependente dos pressupostos que definem um ilícito criminal e que permitem a aplicação de uma sanção penal, e a acção civil dos pressupostos próprios da responsabilidade civil; a indemnização de perdas e danos emergente de um crime é regulada pela lei civil (art. 129.º do CP) nos respectivos pressupostos e só processualmente é regulada pela lei processual penal. A interdependência das acções significa, pois, independência substantiva e dependência (a «adesão») processual da acção cível relativamente ao processo penal. VII - Com o exercício da acção civil o que está em causa no processo penal é o conhecimento pelo tribunal de factos que constam da acusação e do respectivo pedido de indemnização e que, consequentemente, são coincidentes no que refere à caracterização do acto ilícito. Atributo próprio do pedido cível formulado será o conhecimento e a definição do prejuízo reparável. VIII - O itinerário probatório é exactamente o mesmo no que toca aos factos que consubstanciam a responsabilidade criminal e a responsabilidade civil, havendo, apenas, que acrescentar que em relação a esta há, ainda, que provar os factos que indicam o dano e o nexo causal entre o dano e o facto ilícito. IX - A Lei 48/2007, de 29-08, introduziu um novo n.º 3 no art. 420.º do CPP, no qual – à revelia de entendimento jurisprudencial sustentado e fixado no acórdão n.º 1/2002 – se comina a possibilidade de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal. X - Mas o recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal. Consequentemente, não é admissível a impugnação que pretenda colocar em causa a matéria de facto que suporta tal responsabilização criminal. XI - O recurso relativo à matéria cível apenas pode abarcar a impugnação da decisão proferida no que toca ao conhecimento e decisão próprios e específicos do pedido cível, ou seja, ao prejuízo reparável.
Proc. n.º 3638/08 -3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
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