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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 04-12-2008
 Âmbito do recurso Questão nova Competência do Supremo Tribunal de Justiça Livre apreciação da prova Manifesta improcedência Rejeição de recurso Homicídio Detenção ilegal de arma Meio particularmente perigoso Meio insidioso
I -Os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu.
II - Sendo os recursos meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais, e não meio de obter decisões novas, não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido.
III - O tribunal superior, visando apenas a reapreciação de questões colocadas anteriormente e não de outras novas, não pode conhecer de argumentos ou fundamentos que não foram presentes ao tribunal de que se recorre – cf. Acs. do STJ de 27-07-1965, BMJ 149.º/297; de 26-03-1985, BMJ 345.º/362; de 02-12-1998, BMJ 482.º/150; de 12-07-1989, BMJ 389.º/510; de 09-03-1994, Proc. n.º 43402; de 01-03-2000, Proc. n.º 43/00, SASTJ n.º 39, pág. 55; de 05-04-2000, Proc. n.º 160/00; de 06-06-2001, Proc. n.º 1874/02 -5.ª (não pode o STJ conhecer em recurso trazido da Relação de questões não colocadas perante este Tribunal Superior, mesmo que resolvidas na decisão da 1.ª instância); de 28-06-2001, Proc. n.º 1293/01 -5.ª; de 26-09-2001, Proc. n.º 1287/01 -3.ª; de 16-01-2002, Proc. n.º 3649/01 3.ª; de 30-10-2003, Proc. n.º 3281/03 -5.ª (os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a obter decisões ex novo sobre questões não colocadas ao tribunal a quo, mas sim a obter o reexame das decisões tomadas sobre pontos questionados, procurando obter o cumprimento da lei); de 22-10-2003, Proc. n.º 2446/03 -3.ª, SASTJ n.º 74, pág. 147; de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209; de 20-07-2006, Proc. n.º 2316/06 -3.ª; de 02-05-2007, Proc. n.º 1238/07 -3.ª; e de 10-10-2007, Proc. n.º 3634/07 -3.ª.
IV - A divergência do recorrente quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo tribunal é irrelevante, de acordo com jurisprudência há muito firmada – cf. Acs. do STJ de 19-091990, BMJ 399.º/260; de 21-06-1995, BMJ 448.º/278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório); de 01-10-1997, Proc. n.º 876/97 3.ª; de 08-10-1997, Proc. n.º 874/97 -3.ª; de 06-11-1997, Procs. n.ºs 666/97 e 122/97, de 18-12-1997, Procs. n.ºs 47325 e 930/97, Sumários de acórdãos do STJ, Vol. II, págs. 156, 158, 216 e 220; de 24-03-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247; de 19-01-2000, Proc. n.º 871/99 -3.ª; e de 06-12-2000, Proc. n.º 733/00. Ou, como se dizia no Ac. de 18-12-1997, Proc. n.º 701/97, Sumários, ibidem, pág. 220, a convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso.
V - A impossibilidade de este Tribunal sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência do recurso neste segmento, que assim tem, digamos, um objecto impossível, devendo ser rejeitado, nos termos do art. 420.º, n.º 1, do CPP, preceito que, nesta perspectiva, não padece de inconstitucionalidade – cf. Acs. do TC n.ºs 352/98, de 1205-1998, BMJ 477.º/18, e 165/99, de 10-03-1999, DR, II Série, de 28-02-2000, e BMJ 485.º/93.
VI - Datando os factos em apreciação de 03-08-2006, sendo então aplicável à detenção ilegal de arma de defesa o regime da Lei 22/97, de 27-06 – já que a sobrevinda alteração legislativa, da Lei 98/2001, não releva para a incriminação –, e estando em vigor o art. 275.º do CP, é de ter em consideração a doutrina do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 3/97 (in DR Série I-A, de 06-03-1997), segundo a qual «A detenção, uso ou porte de uma pistola de calibre 6,35 mm não manifestada nem registada não constitui o crime previsto e punível pelo artigo 275.º, n.º 2, do Código Penal revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, norma que fez caducar o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 1989».
VII - Perante uma arma de defesa não registada nem manifestada não se pode afirmar que a perigosidade advenha da qualidade do meio empregue, não sendo de integrar a sua utilização no último segmento da al. g) do n.º 2 do art. 132.º do CP.
VIII - A jurisprudência tem entendido que o uso de arma de fogo não representará, em regra, a agravante da al. g) do n.º 2 do referido preceito (na versão vigente à data dos factos), por não constituir em si mesmo um meio particularmente perigoso – cf., designadamente, os Acs. do STJ de 10-03-2005, Proc. n.º 224/05 -5.ª; de 15-12-2005, Proc. n.º 2978/05 -5.ª; de 21-06-2006, Proc. n.º 1559/06 -3.ª (com algumas reservas); de 24-05-2007, Proc. n.º 1602/07 -5.ª; de 05-09-2007, Proc. n.º 2430/07 -3.ª; de 13-03-2008, Proc. n.º 2589/07 5.ª; e de 16-09-2008, Proc. n.º 2491/08 -3.ª.
IX - E, no sentido de que a arma utilizada na prática do crime não constitui só por si um meio insidioso, vejam-se os Acs. do STJ de 04-05-1994, BMJ 437.º/154 (a arma não pode ser considerada meio insidioso porque não tem as características de dissimulação na sua influência maléfica, no sentido de meio traiçoeiro e desleal em que a vítima nada desconfia e é apanhada desprevenida); de 11-01-1995, BMJ 443.º/54; de 17-05-1995, CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 201; de 13-12-1995, CJSTJ 1995, tomo 3, pág. 255 (a pistola – semiautomática, de calibre 7,65, “Browning” – de que o arguido se serviu é um tipo de arma usualmente empregada no cometimento de homicídios; por outras palavras, a sua vulgarizada utilização não revela, por si só, especial censurabilidade ou perversidade de quem usa esse género de armas para matar alguém); de 17-10-1996, Proc. n.º 634/96; de 10-12-1997, BMJ 472.º/142; de 18-02-1998, Proc. n.º 1086/97 -3.ª; de 21-01-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág.198; de 23-02-2000, BMJ 494.º/123; de 21-11-2001, Proc. n.º 2447/01 3.ª; de 15-05-2002, Proc. n.º 1214/02 -3.ª; de 10-10-2002, Proc. n.º 2577/02 -5.ª (com várias referências jurisprudenciais); e de 16-10-2003, Proc. n.º 3280/03 -5.ª.
X - Como se refere no acórdão de 11-06-1987 (BMJ 368.º/312), “Quando a lei (artigo 132º, nº 2, alínea f), do Código Penal) fala em «meio insidioso» não quer necessariamente abarcar os instrumentos usuais de agressão (o pau, o ferro, a faca, a pistola, etc.), ainda que manejados de surpresa, mas sim aludir tanto às hipóteses de utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, como aos que são particularmente perigosos e que, não pondo em risco o agente, do mesmo passo tornam difícil ou impossíveis a defesa da vítima.
XI - A título exemplificativo e enquanto extravasam o que se prevê no âmbito dos crimes de perigo comum, estão previstos na referida alínea f) a utilização de certas armadilhas, as instalações eléctricas em casas de banho adrede preparadas para matar logo que se ligue o chuveiro, a introdução de ar ou de vírus mortais no sistema venoso sob o pretexto de se injectar um medicamento, a narcotização do paciente para depois o matar, o acto de conduzir enganosamente a futura vítima a local isolado para aí ser abatida, etc.”.
XII - A jurisprudência do STJ tem considerado abrangidos nesta alínea os casos particulares de disparos à traição ou quase à queima-roupa, onde a surpresa, somada à posição tomada pelo arguido, tornam praticamente impossível qualquer defesa da vítima – cf. Acs. de 02-051996, Proc. n.º 148/96; de 21-05-1997, Proc. n.º 188/97; e de 24-02-1999, Proc. n.º 1365/98, conforme citação do supra-aludido acórdão de 13-12-2000.
Proc. n.º 2507/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Fernando Fróis