Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 04-12-2008
 Tráfico de estupefacientes Reincidência Pluriocasionalidade
I -Como é jurisprudência dominante, a reincidência não opera como mero efeito automático das anteriores condenações, não sendo suficiente erigir a história delitual do arguido em pressuposto automático da agravação – cf. Acs. do STJ de 20-09-1995, Proc. n.º 48167; de 12-03-1998, BMJ 474.º/492; de 15-12-1998, CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 241; de 27-092000, BMJ 499.º/132; de 15-03-2006, Proc. n.º 119/06 -3.ª; de 12-07-2006, Proc. n.º 1933/06 -3.ª; e de 24-01-2007, Proc. n.º 4455/06 -3.ª.
II - De acordo com o art. 75.º do CP, na redacção conferida pelo DL 48/95, de 15-03, são pressupostos formais desta agravante: -a prática, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, de crime doloso; -a punição com pena de prisão efectiva superior a 6 meses; -a condenação anterior transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso; -um lapso de tempo não superior a 5 anos entre a prática do crime anterior e a do seguinte.
III - Para além destes pressupostos, acresce um outro, substantivo ou material, conforme prescreve a parte final do n.º 1 do art. 75.º do CP: a punição na forma agravada só terá lugar «se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime».
IV - Faz-se assim a exigência da concreta verificação do funcionamento desta qualificativa, o que implica indagação da correspondente matéria de facto.
V - Só através da análise do caso concreto, de uma avaliação judicial concreta das circunstâncias, se poderá concluir estarmos perante um caso de culpa agravada, devendo o arguido ser censurado por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime ou, antes, uma situação em que inexiste fundamento para a agravação da pena, por se tratar de simples pluriocasionalidade.
VI - A pluriocasionalidade será visível quando, mais que a uma propensão para o crime, a uma carreira criminosa, a uma qualidade desvaliosa enraizada na personalidade do agente, a sucumbência ao crime seja devida a causas meramente fortuitas, acidentais, exclusiva ou predominantemente exógenas e não à sua perigosidade.
VII - A reincidência é, pois, a resposta negativa ao convite formal, explícito, contido na condenação anterior de fidelização futura ao direito que, mais do que indiferença, denota evidente rebeldia.
VIII - Como acentua o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 365), se o critério da especial censura ao agente por não ter atendido à admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores, não implica um retorno à ideia – afastada – de que a reincidência é só a homótropa, não dispensa, contudo, a verificação da qualificativa uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que poderá, em princípio, consistir na natureza análoga dos factos novos, segundo os bens jurídicos violados, os motivos, a espécie e a forma de execução, se bem que aqui possam concorrer circunstâncias que sirvam para excluir a conexão, v.g., o afecto, a degradação social e económica, a experiência particularmente criminógena da prisão, impeditivas de actuar a advertência contida na condenação anterior.
IX - Resultando do autos que, pouco tempo após cumprimento parcial de uma pena de 6 anos e 7 meses de prisão por crime de tráfico de estupefacientes e tendo atingido a liberdade definitiva em 28-07-2003, logo em Dezembro de 2004 o arguido é havido como envolvido no tráfico de estupefacientes, detendo na residência da mãe, onde vivia, para além do mais, uma bolsa com 325 embalagens contendo heroína, com o peso bruto de 100,127 g e líquido de 43,577 g, 2 embalagens contendo heroína, com o peso bruto de 64,310 g e líquido de 62,876 g, uma bolsa acondicionando 636 embalagens de plástico contendo cocaína, com o peso bruto de 140,826 g e líquido de 60,592 g, produtos que destinava à distribuição e venda, na sua totalidade, é patente a conexão entre a natureza do anterior crime e o subsequente, de igual gravidade e natureza, além de que o arguido não dá mostras de querer seguir uma actividade lícita dedicando-se ao trabalho.
X - Mostra-se, assim, que a condenação anterior não lhe serviu de emenda, justificando-se agora um plus de pena, pelo claro concurso do “lídimo pressuposto material” da circunstância agravante modificativa da pena, consistente no desrespeito ou desatenção do agente, fundamento da agravação, pela maior censura e culpa agravada que revelou.
Proc. n.º 3774/08 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral