Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
Actualidade | Jurisprudência | Legislação pesquisa:


    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
Procurar: Assunto    Área   Frase
Processo   Sec.                     Ver todos
ACSTJ de 04-12-2008
 Direito ao recurso Admissibilidade de recurso Aplicação da lei processual penal no tempo Acórdão da Relação Absolvição Tribunal singular Assistente Duplo grau de jurisdição
I -O direito ao recurso inscreve-se no leque dos direitos fundamentais do arguido, no art. 32.º da CRP, mas, tal como doutrina Paulo Pinto de Albuquerque, não é ilimitado, não se estende a todas as decisões e nem é de esgotamento de todas as instâncias de recurso, de todos os graus de jurisdição de recurso, sequer assegura audiência de julgamento de recurso em todos os casos – cf. Comentário ao Código de Processo Penal, pág. 994.
II - A nossa jurisprudência e a doutrina são unânimes em reconhecer que a lei reguladora da admissibilidade do recurso é a vigente na data em que é proferida a decisão recorrida – lex temporis regit actum – (cf. Acs. deste STJ de 17-12-1969, BMJ 192.º/192, de 04-12-1976, BMJ 254.º/144, de 11-11-1982, BMJ 331.º/438, de 10-12-1986, BMJ 362.º/474, e José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, 1997, I, pág. 189), e isto porque as expectativas eventualmente criadas às partes ao abrigo da lei antiga se dissiparam à face da lei nova, não havendo que tutelá-las, “não tinham razão de ser” (cf. Antunes Varela, Miguel Beleza, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1984, págs. 54-55).
III - Mas importa distinguir, para efeitos de aplicação da lei processual no tempo, entre regras que fixam as condições de admissibilidade do recurso e as que se limitam a regular as formalidades de preparação, instrução e julgamento do recurso, estas, sem margem para dúvida, de imediata aplicação – cf. Prof. Alberto dos Reis, RLJ, Ano 86.º, págs. 49-53 e 84-87.
IV - Porque em sede de direito e processo penal se jogam interesses públicos, afectando ou podendo afectar direitos fundamentais tão valiosos como o da liberdade humana, para efeitos de aplicação da lei no tempo é de analisar se com ela resulta agravamento da posição substantiva do arguido, levando, na hipótese afirmativa, a que se devam ponderar as expectativas, justas, do recorrente, em termos de continuar a deparar-se-lhe a possibilidade de lhe assistir o recurso nos moldes firmados na lei antiga.
V - O art. 5.º do CPP, nos termos em que se mostra redigido, dispondo que a lei processual nova é de aplicação imediata a todos os processos pendentes, quando assuma uma natureza exclusivamente processual e não já quando da sua aplicabilidade imediata derive o agravamento sensível da posição processual do arguido, realiza o interesse público da protecção de interesses que se jogam na sucessão de leis processuais penais.
VI - Deste modo se perfilha o entendimento segundo o qual se, ao abrigo da lei em vigor na data da decisão inicialmente recorrida, estava assegurado o direito ao recurso, deve ele continuar a assistir-lhe, mesmo que outra, posterior, lho retire, a fim de não agravar a situação processual do arguido. A data da decisão marca o pressuposto do nascimento do direito, pois que até lá as vicissitudes por que o processo pode passar são susceptíveis de prejudicar a reponderação da questão por tribunal superior.
VII - À face da lei processual penal antiga, sob cuja égide foi interposto recurso da decisão da 1.ª instância, não era admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, por força do art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, visto ao crime de homicídio negligente caber, abstractamente, pena de prisão inferior a 5 anos.
VIII - A Lei 48/2007, de 29-08, deu ao art. 400.º, n.º 1, al. e) nova redacção, segundo a qual não é admissível recurso de decisões proferidas pela Relação que apliquem pena não privativa de liberdade.
IX - Não é o caso, pois se trata de acórdão absolutório, sendo que a condenação em 1.ª instância o foi em pena não privativa da liberdade; porém, a recorribilidade, em princípio, face à lacuna da lei, poderia firmar-se na al. d) do n.º 1 do art. 400.º, na versão da lei nova, por argumento a contrario, pois que se trata de decisão absolutória da Relação, mas que não confirma a de 1.ª instância.
X - Mas tal interpretação confrontar-se-ia com o pensamento do legislador de restringir os recursos para o STJ, reservando-os para os casos de maior complexidade ou de elevado valor, deles se excluindo as bagatelas penais, as questões penais de menor impacto, levando a que, como se consignou no Ac. deste STJ de 03-09-2008 (Proc. n.º 1883/08), fosse proferida em decisão de recurso sentença condenatória em multa quando a condenação pela Relação nessa precisa pena impediria o recurso para este STJ.
XI - O Tribunal da Relação encerra, nos termos dos arts. 427.º e 428.º do CPP, o ciclo do julgamento das decisões proferidas em tribunal singular.
XII - Do cotejo dos arts. 14.º, 16.º, 427.º, 432.º e 433.º do CPP resulta, como se escreveu no Ac. deste STJ de 13-01-2005, Proc. n.º 4548/04 -5.ª, por forca da estruturação formal dos recursos, ser inadmissível recurso de acórdãos da Relação sobre decisões do tribunal singular, na esteira de conhecido entendimento pacífico deste STJ, de que são exemplo os Acs. de 29-11-2005, Proc. n.º 2965/04, de 17-11-2005, Proc. n.º 2925/05, de 05-04-2000, Proc. n.º 76/00, in CJSTJ, tomo 2, pág. 171, de 06-04-2000, Proc. n.º 112/00, de 01-022001, Proc. n.º 3827/00, de 17-04-2002, Proc. n.º 1227/02, de 03-06-2004, Proc. n.º 1882/04, e de 08-07-2004, Proc. n.º 2251/04, sumariados in Boletim Interno do STJ, acessíveis in http/www.stj.pt/jurisprudência/sumários.
XIII - De resto, a admitir-se o recurso da Relação para o STJ de uma decisão do tribunal singular, quando a Relação, como é o caso, absolve, não deixaria de se descredibilizar aquele Tribunal superior, que nem um caso de simplicidade, aos olhos do legislador, soube julgar com acerto, demandando correcção pelo STJ, por mais simples que a questão se apresente, o que não pode, de forma alguma, ter-se presente na sua mente.
XIV - Numa visão sistémica que, integrando o espírito do legislador em matéria de recursos, compatibilize os textos legais das als. d) e e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, a solução que se impõe é a de rejeitar o recurso, consequência que se retira tanto à face da lei antiga como da nova.
XV - Por fim, e não menos importante, a consideração de que a interposição do recurso pelo assistente, estando ao alcance do STJ alterar o decidido pela Relação, poderia redundar num agravamento sensível da posição do arguido, conduzindo, também, a não se admitir o recurso, nos termos do art. 5.º, n.º 2, al. a), do CPP.
XVI - E nenhum prejuízo advém aos direitos do assistente, uma vez que a lei nova não admitindo, na interpretação que se faz da lei, o recurso também o não restringe, porque já ao abrigo da lei processual penal vigente em 21-05-2007 tal lhe não era consentido, sendo exacto que o art. 32.º, n.º 1, da CRP não garante a existência de um duplo grau de jurisdição de recurso em todas as situações: questões há cuja gravidade não justifica mais do que um grau de recurso, seja qual for o sentido da decisão da Relação.
Proc. n.º 3271/08 -3.ª Secção Armindo Monteiro (relator) Santos Cabral