Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 04-12-2008
 Falsificação Burla Concurso de infracções Abuso de cartão de garantia ou de crédito Furto Reparação Restituição Atenuação especial da pena Imagem global do facto
I -O Assento n.º 8/2000, de 04-05-2000 (DR 119, Série I-A, de 23-05-2000), fixou jurisprudência no sentido de que «No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 217.º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes.» II -Em tal Assento se considerou: “Parece não suscitar dúvidas de que continuam a ser diferentes os bens jurídicos tutelados pelos artigos 217.º, n.º 1, e 256.º, n.º 1, do Código Penal de 1995. Como se escreveu já no Acórdão deste Supremo de 16 de Junho de 1999, processo n.º 577/99: «Ora, nem no Código Penal de 1982 nem no de 1995 existe qualquer disposição que ressalve o concurso da burla com a falsificação (enquanto meio de realização daquela) do regime geral estatuído no artigo 30.º: 'O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.' Logo, sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de burla (o património) e de falsificação de documento (que não será tanto a fé pública dos documentos [...] mas, antes, 'a verdade intrínseca do documento enquanto tal' (cf. F. Dias e Costa Andrade, 'O legislador de 1982 optou pela descriminalização do crime patrimonial de simulação', Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, t. III, p. 23) ou 'a verdade da prova documental enquanto meio que consente a formulação de um juízo exacto, relativamente a factos que possam apresentar relevância jurídica' (cf. Malinverni, Enciclopedia del Diritto, vol. XIII, pp. 632-633) e não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível [...] deve continuar a concluir-se que a conduta do agente que falsifica um documento e o usa, astuciosamente, para enganar ou induzir em erro o burlado integra (suposta, naturalmente, a verificação de todos os elementos essenciais de cada um dos tipos), efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação de documento e um crime de burla.»” III -Não havendo razões para alterar tal posição, à mesma se adere, sendo que o mesmo tipo de argumentação é válido para o crime de abuso de cartão de crédito e falsificação, quanto à operação relativa à activação do cartão e consequente e necessária assinatura do respectivo talão. No que concerne ao crime de furto (do cartão e não só), ele é autónomo em relação aos crimes que se lhe seguem de falsificação e abuso de cartão de crédito, porque relativo a conduta diversa que protege também bem jurídico diferente, no caso a propriedade (e posse), pelo que não pode deixar de se considerar que há concurso real entre os três aludidos crimes.
IV - As utilizações abusivas e ilícitas, por terceiro alheio à titularidade do cartão de crédito, dependentes de resolução e acções posteriores ao furto da carteira, assumem autonomia em relação a este.
V - Do art. 206.º, n.º 2, do CP resulta que a pena é especialmente atenuada quando a coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for restituída, ou tiver lugar a reparação integral do prejuízo causado, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, e, nos termos do n.º 3, se a restituição ou a reparação forem parciais, a pena pode ser especialmente atenuada.
VI - A entrega dos objectos apreendidos por parte do Tribunal não corresponde à regulada restituição ou reparação a que alude aquele preceito.
VII - O princípio regulador da atenuação especial, segundo o art. 72.º do CP, é o da acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa, ou da necessidade da pena, portanto das exigências de prevenção.
VIII - A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais, isto é, quando é de concluir que a adequação à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial não é possível dentro da moldura geral abstracta escolhida pelo legislador para o tipo respectivo. Fora destes casos, é dentro da moldura normal que aquela adequação pode e deve ser procurada (Ac. do STJ de 10-11-1999, Proc. n.º 823/99 -3.ª, SASTJ n.º 35, pág. 74).
IX - O art. 72.º do CP, ao prever a atenuação especial da pena, criou uma válvula de segurança para situações particulares em que se verificam circunstâncias que, relativamente aos casos previstos pelo legislador quando fixou os limites da moldura penal respectiva, diminuam por forma acentuada as exigências da punição do facto, por traduzirem uma imagem global especialmente atenuada, que conduz à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa (Ac. do STJ de 18-10-2001, Proc. n.º 2137/01 -5.ª, SASTJ n.º 54, pág. 122).
X - A diminuição da culpa ou das exigências de prevenção só poderá, por seu lado, considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência – e a doutrina que a segue – quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar; para a generalidade dos casos, para os casos ‘normais’, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 192, 302 e 306, e Ac. deste Supremo de 06-06-2007, Proc. n.º 1899/07 -3.ª).
XI - Como também refere Maia Gonçalves (in Código Penal Português anotado e comentado, 18.ª edição, págs. 278-279, nota 5): «Com penas que correspondem a uma visão hodierna e um amplo quadro de substitutivos das penas de prisão quando esta não é exigida pela ressocialização, reprovação e prevenção do crime, impõe-se agora um uso moderado da atenuação especial da pena, com particular atenção para o estreito condicionalismo exigido pelo n.º 1 do art. 72.º».
XII - Tendo em consideração que: -embora a arguida tenha confessado os factos integralmente e sem reservas e tenha ressarcido algumas das pessoas prejudicadas com a entrega dos cheques em causa, as ilicitudes praticadas e o tempo e modo da sua actuação não diminuem de forma considerável a ilicitude do facto e a culpa; -as exigências de prevenção geral não se mostram esbatidas, pois que a arguida já sofreu diversas condenações, quer em pena de multa, quer em pena de prisão, encontrando-se actualmente em cumprimento de pena de prisão, e, no estabelecimento prisional onde actualmente se encontra, foi punida por três vezes com medidas disciplinares de repreensão, de proibição de telefonar pelo período de 2 dias e de internamento em cela de habitação pelo período de 8 dias; não procedem os pressupostos de atenuação especial da pena.
Proc. n.º 3552/08 -3.ª Secção Pires da Graça (relator) Raul Borges