Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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    Sumários do STJ (Boletim) - Criminal
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ACSTJ de 04-12-2008
 Nulidade Irregularidade Inquérito Instrução Omissão de pronúncia Decisão instrutória Abuso de poder Elementos da infracção Dolo específico Manifesta improcedência
I -Estabelece o n.º 1 do art. 118.º do CPP que a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo certo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade o acto ilegal é irregular – n.º 2 daquele preceito.
II - De acordo com a al. d) do n.º 2 do art. 120.º, só a insuficiência do inquérito e da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, constitui nulidade, dependente de arguição, posto que o legislador ao incluir, na parte final daquele dispositivo, a omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade, pelo uso expresso do adjectivo posterior, apenas contemplou a omissão de actos processuais na fase de julgamento e de recurso.
III - Deste modo, a eventual invalidade arguida pelo recorrente, consubstanciada no facto de não terem sido realizadas na instrução as diligências de prova por si requeridas, apenas é susceptível de constituir mera irregularidade.
IV - As irregularidades do processo só determinam a invalidade do acto a que se referem e dos termos subsequentes que possam afectar quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado – art. 123.º, n.º 1.
V - Uma vez que a omissão das diligências requeridas pelo assistente apenas foi arguida no recurso que interpôs da decisão instrutória, que deu entrada em juízo no termo do respectivo prazo, ter-se-á de ter por sanada a eventual irregularidade daí decorrente.
VI - A omissão de pronúncia constitui uma anomia da decisão que consiste numa incompletude daquela, analisada por referência aos deveres de conhecimento e julgamento, que decorrem dos termos das questões suscitadas e do objecto da decisão.
VII - Nos termos da lei, traduz-se na omissão decorrente de o tribunal deixar de conhecer de questões que deveria apreciar – al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.
VIII - É, pois, por referência ao tipo e ao âmbito da decisão a proferir, bem como às questões eventualmente suscitadas, que se deve aferir da eventual ocorrência daquela nulidade, tendo presente, porém, que as meras razões, argumentos e opiniões expostos pelos sujeitos processuais não fazem parte do thema decidendum.
IX - Na decisão instrutória, o thema decidendum é a pronúncia ou a não pronúncia do arguido. Como resulta da própria lei – n.º 1 do art. 308.º –, o que se impõe ao julgador é a verificação da prova recolhida e o seu exame, em ordem a verificar se, indiciariamente, se mostram ou não verificados os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança.
X - Resultando do exame da decisão impugnada que o Desembargador-Instrutor, após haver enumerado todos os factos que, a seu ver, se mostram indiciados, os analisou jurídico-penalmente, tendo concluído no sentido da ausência de prova da prática pelo juiz arguido do crime objecto do requerimento para a abertura de instrução, isto é, do crime de abuso de poder, tanto basta para afastar a ocorrência da arguida nulidade de omissão de pronúncia.
XI - O crime de abuso de poder, facto típico que tutela a autoridade e a credibilidade da administração do Estado, visa assegurar a imparcialidade e a eficácia dos servidores públicos, através do dever que impende sobre os respectivos órgãos e agentes de, no exercício das suas funções, actuarem com respeito pelos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade.
XII - Como este STJ vem entendendo, no crime de abuso de poder, que constitui um crime de função e, por isso, um crime próprio, o funcionário que detém determinados poderes funcionais faz uso (abusivo) de tais poderes para um fim diferente daquele para que a lei os concede, excede a sua competência própria, viola deveres funcionais ou desrespeita formalidades impostas por lei. O crime é integrado pelo mau uso ou o uso desviante de poderes funcionais, por excesso de poderes legais ou por desrespeito de formalidades essenciais; no entanto, o mau uso dos poderes não resulta de erro ou de mau conhecimento dos deveres da função, tendo antes de ser determinado por uma intenção específica que, enquanto fim ou motivo, faz parte do próprio tipo legal. Esta intenção surge como uma exigência subjectiva que concorre com o dolo do tipo ou a ele se adiciona ou dele se autonomiza.
XIII - Com efeito, a intenção específica é um elemento subjectivo que não pertence ao dolo do tipo, enquanto conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo, e que se não refere a elementos do tipo objectivo, quebrando a correspondência ou congruência entre o tipo objectivo e subjectivo.
XIV - Assim sendo, temos por elemento objectivo do crime um comportamento de “funcionário”, por acção ou omissão, contrário ao dever da função, sendo o elemento subjectivo integrado pela consciência de que o comportamento assumido viola os deveres funcionais, bem como pela intenção de obtenção de benefício ilegítimo ou de causação de prejuízo a outra pessoa.
XV - Tendo em consideração que: -o comportamento assumido pelo juiz arguido, denunciado pelo assistente como integrador de violação de um dever funcional, mais concretamente da lei processual penal, consubstanciado no facto de haver vedado ao ora assistente (em processo de instrução), enquanto advogado de um dos arguidos, a sua presença, bem como a de terceiros, a acto de produção de prova, atenta a temporalidade dos factos, não se pode considerar como preenchendo o elemento objectivo do crime de abuso de poder – à data, parte da jurisprudência dos tribunais superiores, incluindo a deste STJ, entendia que o n.º 2 do art. 289.º do CPP devia ser interpretado no sentido de que os actos de instrução, com excepção do debate, do interrogatório do arguido e das declarações para memória futura, deviam ou, pelo menos, podiam processar-se sem a presença do MP, arguido, defensor, assistente e advogado deste, sendo que o TC entendia não ser inconstitucional aquela norma, interpretada nesse sentido; -inexiste matéria indiciária que permita considerar que o juiz arguido, em qualquer momento, haja querido obter qualquer benefício ilegítimo ou causar prejuízo a alguém; é manifesta a improcedência do recurso da decisão do Tribunal da Relação que não pronunciou o arguido.
Proc. n.º 2823/08 -3.ª Secção Oliveira Mendes (relator) Maia Costa