ACSTJ de 23-10-2008
Habeas corpus Fundamentos Mandado de detenção Pena de prisão Cumprimento de pena Evasão Nulidade
I -A providência de habeas corpus é uma providência excepcional, destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade. II - A petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP: a) ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; c) manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial. III - Confrontamo-nos, pois, com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade. IV-No caso sub judice, o arguido encontrava-se ausente ilegitimamente do estabelecimento prisional [onde cumpria pena de prisão] e foi recapturado. O mandado de detenção foi emitido para cumprimento do remanescente da pena de 5 anos e 2 dias de prisão, de uma pena única de 17 anos 3 meses de prisão, que acabou por ser reduzida, por força de vários perdões, para 12 anos, 11 meses e 4 dias de prisão. V - O mandado de detenção enferma de uma inexactidão, dado que menciona apenas a prática de um crime de furto simples do art. 203.º do CP, o qual teria sido praticado, segundo tal mandado, em 29-03-2005, e tal não corresponde com exactidão à realidade processual do requerente: por um lado, este crime foi praticado em dia indeterminado do mês de Novembro de 1991 e, por outro lado, o remanescente da pena referido no mandado era o resultado de um cúmulo jurídico de penas e não unicamente o resultado da pena aplicada pelo crime de furto simples. VI - Para além dessa inexactidão, o mandado encerra uma contradição, que é a de se reportar a um processo de 1994 e à condenação por um crime de furto praticado em 29-03-1995. Tal foi devido a um lapso evidente, visto que o crime foi praticado em 1991, sendo o processo de 1994 e a condenação de 1996; neste processo, por seu turno, foram operados cúmulos da pena aplicada pelo crime de furto com as penas aplicadas noutros processos, vindo a fixar-se e pena conjunta de 17 anos e 3 meses de prisão. VII - Tal não constitui nulidade alguma, mas só um lapso, resultando claro do mandado que o mesmo se destinava ao cumprimento do remanescente de uma pena, estando o requerente ausente ilegitimamente do estabelecimento prisional, onde estava a cumprir a dita pena, cujo termo ainda não tinha sido alcançado. Nessas circunstâncias, o mandado, mesmo encerrando o tal lapso, cumpria perfeitamente os objectivos legais, não estando aqui numa situação equiparada à dos mandados de detenção do art. 258.º do CPP, em que a detenção é efectuada para satisfação das finalidades assinaladas no art. 254.º, n.º 1. No caso, trata-se de execução de uma decisão condenatória transitada em julgado, com a particularidade de o requerente se ter eximido ao cumprimento cabal da pena, aproveitando-se de uma saída precária, para não voltar mais ao estabelecimento prisional. VIII - Mesmo, porém, que as deficiências apontadas devessem inquinar de nulidade o mandado de detenção, tal nulidade, sendo relativa e devendo ser arguida pelo próprio interessado, nunca poderia constituir fundamento de habeas corpus. Fundamento desta providência só poderia ser uma patente ilegalidade a respeito da prisão do requerente, que no caso é manifesto não se verificar.
Proc. n.º 3468/08 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor
Carmona da Mota
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