ACSTJ de 16-10-2008
Associação criminosa Escutas telefónicas Destruição Constitucionalidade Direitos de defesa Princípio do contraditório
I -Provando-se que o arguido tomou a decisão de fundar e liderar uma associação para levar a cabo o tráfico de estupefacientes em grande escala e de criar dois grupos, um que procedesse ao seu transporte por via marítima e outro, ao seu descarregamento; que, na sequência dessa tomada de decisão, ocorreu toda uma actividade que dá corpo, isto é, que materializa o projecto assim delineado, com a angariação de pessoas situadas a vários níveis numa escala hierárquica, com funções bem determinadas e distribuídas entre si, mesmo do ponto de vista geográfico, com vista a, conjugadamente colaborarem para o conseguimento do fim para que a associação tinha sido criada, servindo-se de meios materiais inseridos numa organização complexa – utilização de uma frota de veículos furtados e com elementos de identificação falsificados; arrendamento de armazéns, de garagens e de casas onde viviam as diversas pessoas que faziam parte da associação; utilização de embarcações próprias e fretadas para o efeito; um arsenal de armas proibidas, onde pontificavam as armas de guerra, muitas deles provenientes de países do Leste –, e tendo levado a cabo acções configuradoras de transporte e carregamento de grandes quantidades de estupefaciente, está caracterizado o crime a que alude o art. 28.º do DL 15/93, de 22-01. II - Para tanto, impõe-se apurar a existência, por um lado, de um centro autónomo de imputação, transcendendo os respectivos membros e ao qual sejam imputadas as acções por eles levadas a cabo, ou seja, uma organização estruturada, estabilizada (até em termos temporais) e hierarquizada, dotada de meios próprios e constituindo uma entidade independente das pessoas que a formam e, por outro lado, o acordo entre os seus membros, quer no sentido de aderirem a tal organização – cujos fins conheciam –, quer para, uma vez aderindo a ela, colaborarem com a realização das tarefas que lhe estavam destinadas e lhes eram transmitidas pelos respectivos coordenadores na prossecução dos respectivos objectivos, mediante um esquema de remunerações e de contrapartidas financeiras. III - A questão da inconstitucionalidade da interpretação do n.º 3 do art. 188.º do CPP, na redacção anterior à Lei 48/2007, de 29-08 – que considera que o juiz de instrução pode mandar destruir material coligido através das escutas telefónicas que tenha por irrelevante em matéria de prova, sem primeiro dar ao arguido a oportunidade de conhecer esse material e de sobre ele se pronunciar –, sofreu uma inflexão na jurisprudência constitucional, entendendo-se actualmente não lesar o direito de defesa do arguido, consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, entendido em toda a sua amplitude, mas particularmente na óptica do contraditório – cf. Acs. do TC n.ºs 70/2008, de 31-01, 204/2008, de 02-04, e 293/2008, de 29-05.
Proc. n.º 2958/08 -5.ª Secção
Rodrigues da Costa (relator)
Arménio Sottomayor
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