ACSTJ de 16-10-2008
Homicídio qualificado Tentativa Tentativa impossível Actos de execução Instigação Autoria moral Autoria Autoria imediata Autoria mediata Co-autoria
I -Mostrando-se assentes, entre outros, os seguintes factos: -O arguido delineou um plano criminoso no sentido de matar a mulher e para o efeito, resolveu contratar uma ou duas pessoas, mediante o pagamento de montante a combinar, sendo que todos os pormenores, nomeadamente o modo, local e data, seriam determinados e ditados por si; -Para tanto contactou telefonicamente o armazém de S, dizendo que precisava de alguém «para tomar conta de uma pessoa», e tendo sido atendido por A, este entendeu que aquele procurava alguém que cuidasse de uma pessoa, idosa ou doente, pelo que lhe disse que poderia colocar um anúncio no placar do armazém, tendo o arguido informado que preferia enviar uma carta; -O arguido remeteu então pelo correio uma carta onde adiantava as primeiras informações sobre a pessoa de quem precisa que «cuidassem», explicitando que “de matar” se tratava, fornecendo elementos sobre a rotina do «alvo»; estabelece o momento e o local do cometimento do crime; decide da arma do crime; determina o seu modo de execução; impõe a simulação do móbil do crime; define a data do crime; fixa as regras a respeitar quando da prática do crime e após o cometimento do homicídio e confirma o envio de uma nova carta acompanhada de mapa da área e, posteriormente, de uma terceira carta com a identificação do veículo automóvel da vítima e respectiva matrícula; -S e O denunciaram a situação à PJ, o que o arguido sempre desconheceu; -Assim dias depois o arguido questionou A sobre se conheciam alguém que pudesse cometer o homicídio, tendo este respondido afirmativamente e que iriam estabelecer o contacto com o executante; -Alguns dias mais tarde, na sequência de novo contacto telefónico do arguido, A diz-lhe que o preço é de € 10 000, devendo pagar metade antes do serviço, o que este aceitou, ficando de remeter nova carta com instruções mais detalhadas; -Mais tarde, o arguido remeteu carta com o mapa da cidade de B; menciona que o alvo é uma mulher; identifica a residência; adianta os locais onde a mesma pode encontrar-se; acrescenta os cuidados a ter; reitera as cautelas indicadas na carta anterior e solicita que mantenham o contacto do executante para «trabalhos futuros»; -S, A e O entregaram essa carta à PJ; -Dias depois, o arguido remeteu carta contendo € 5000, aí identifica a marca, matrícula e modelo do veículo automóvel da vítima; a sua idade; indica duas datas para o cometimento do crime; impõe o cumprimento de todas as suas instruções e a destruição de todos os documentos; -Uma vez mais, aqueles entregaram a carta e o valor à PJ; -Porque em nenhum dos dias indicados pelo arguido o serviço encomendado foi efectuado, o mesmo contactou A para saber a razão de tal incumprimento; -O arguido, que tinha plena intenção de causar a morte da sua mulher M, só não o conseguiu por circunstâncias completamente alheias à sua própria vontade, nomeadamente pelo facto da pessoa ou pessoas contratada(s) não ter(em) levado a efeito tal plano, abortando desta forma o plano criminoso, a 1.ª instância absolveu o arguido, integrando o caso na figura da instigação, não punível porque não consta qualquer acto de execução ou começo de execução. II - Autor não é apenas aquele que executa o facto por si mesmo; é, também, aquele que executa o facto por intermédio de outrem (autoria mediata). A autoria conexiona-se com a execução e não há autoria sem execução. III - A autoria mediata é uma forma desta categoria criminosa e, tal como a autoria imediata, caracteriza-se pela existência do domínio do facto. É autor mediato [homem de trás] quem realiza o tipo legal de crime servindo-se de outrem [homem de diante] como «instrumento» – cf. Jescheck, Tratado de Direito Penal, versão espanhola, pág. 604. IV - Tanto a instigação como a autoria mediata estão previstas no art. 26.º do CP pese embora estruturadas em termos diversos: na instigação a punição de quem “determinar outra pessoa à prática do facto” depende de existir “execução ou começo de execução”, já não assim tratando-se de autoria mediata, onde para a punição “de quem executar o facto (…) por intermédio de outrem” não se exige este requisito, nem qualquer outro equivalente. V - Esta diversidade de estrutura da autoria mediata e de instigação é particularmente relevante numa ordem jurídica que, como a nossa, não incrimina a tentativa de instigação, pois daí decorre que o agente mediato, se o seu comportamento for tratado como instigação, ficará impune sempre que não chegar a haver execução ou começo de execução, por parte do instigado. VI - Diferentemente, nos casos de autoria mediata, o regime resultante do art. 26.º do CP não exige para a responsabilidade do autor mediato, o início da execução pelo autor imediato, não excluindo, assim, a possibilidade de o “homem de trás” ser punido por tentativa a partir de um momento anterior àquele em que o autor imediato começa a praticar actos de execução do tipo legal de crime – cf. Maria da Conceição Valdágua in, Figura Central, Aliciamento e Autoria Mediata, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, I, págs. 932 a 934. VII - O arguido agiu como autor mediato já que, até ser detido pela PJ, manteve sempre o domínio do facto, bastando pensar na possibilidade, sempre aberta, de substituição do “executor”. VIII - O começo da tentativa surge naquele momento em que o círculo de protecção dos direitos do titular do direito se revela, objectivamente ameaçado pela acção realizada, ou seja, com a tentativa o agente põe “ imediatamente em marcha a realização do tipo” no dizer de Jescheck/Weigen. IX - Todo o comportamento do arguido funcionou de molde a conduzir ao efeito ilícito por ele pretendido – a encomenda do crime; a idoneidade e a confiança nos meios e nos contactos estabelecidos; o planeamento do modus operandi; as precisões de tempo, modo e lugar transmitidas para a prática do delito na pessoa da vítima, cujas características teve o cuidado de pormenorizar e o ajuste a combinação de dinheiro disponibilizado –, integrando a previsão de um crime de homicídio qualificado, na modalidade de autoria mediata, na vertente tentada prevista no art. 22.º, n.º 2, al. c), do CP.
Proc. n.º 3867/07 -5.ª Secção
António Colaço (relator) **
Soares Ramos (com declaração no sentido que “Do ponto de vista das representações
mentais do arguido passou a haver, a partir da figurada aquiescência do seu plano …,
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